quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Notas de fim de ano

1 - Choveu pacas no Brasil inteiro. E São Paulo teve sua parcela pluviométrica. Mas em nenhum telejornal de segunda-feira havia a seguinte frase: "A Prefeitura informou que..." Apenas na quarta-feira li na Folha de S.Paulo três parágrafos dizendo que a administração de Gilberto Kassab nada tinha a declarar sobre o alagamento de vários pontos da cidade que já são problemáticos há anos. Tampouco alguém informou se Kassab se encontra na capital paulista. Como não sou petista, tentei não lembrar de que quando algo parecido aconteceu na gestão de Marta Suplicy, havia nos jornais fotos dela em Paris, com cara de quem estava passando férias durante os dias de uma reunião de um grupo de cidades importantes. Tentei não lembrar, mas não consegui.

2 - Assisti a um programa do SporTV que relembrou o fatídico título do Palmeiras no Paulistão de 1993. O atacante Evair com uma pose esquisita para quem era tido como um jogador de Cristo, modesto e equilibrado. Disse ele ao longo do programa inteiro que estava claro que o time dele seria campeão "desde a entrada em campo", apesar de ter de reverter uma desvantagem de 1x0 no tempo normal. O SporTV foi competente ao lembrar que antes de o Alviverde abrir o marcador, Edmundo merecia ser expulso por uma entrada criminosa em Paulo Sérgio. Nem amarelo ele levou. E que o zagueiro Antônio Carlos, amigo de Vanderlei Luxemburgo e diretor de Corinthians, também devia ter ganhado cartão vermelho por uma cotovelada sem bola que deu em Neto. Pena que o árbitro era José Aparecido de Oliveira, o Byron Moreno brasileiro.

3 - Já deu no saco ler sobre Ronaldo, "contratações mais sensacionais da história" feitas pelo São Paulo e sobre os reforços incríveis que devem levar os times cariocas a absolutamente lugar nenhum. Será que não tem um mínimo de seriedade nos jornais esportivos de fim de ano? Ou eles precisam da flexibilidade moral para tratar desses temas para sobreviverem ao ano seguinte?

4 - Dilma e Serra não usam mais óculos. Agora vai.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Ronaldo é pai


Passado o frenesi da chegada do gordinho ao Corinthians, ainda me espanta o fato de pouca gente ter destacado a importância de o rapaz ter assinado com o clube paulista muito por causa do seu filho Ronaldo, torcedor do Alvinegro.

O fenômeno de marketing pode ser flamenguista, ser doido por dinheiro e gostar do Rio de Janeiro, mas deve saber que o clube mais importante do Brasil é, sim, o do Parque São Jorge (não é o mais campeão nem o mais rico, mas só pelos sentimentos que desperta, contra e a favor, não há outro no mesmo nível).

Para o público internacional, talvez uma mudança para o Flamengo tivesse sido melhor, visto que, como conta o professor Maurício Stycer no seu blog, a maioria dos correspondentes estrangeiros, sabe-se lá o motivo exato, vive no Rio de Janeiro: mais de 100 em cerca de 150.

A grana iria aonde ele fosse, ainda que se tratasse da Portuguesa, que está longe de ter a torcida que o Corinthians tem apenas no bairro do Tatuapé, por exemplo. A opção pelo Parque São Jorge é também para satisfazer ao filho, ouvi de gente que o conhece bem na semana passada no Rio de Janeiro.

Tem gente que acha que tudo que acontece se deve única e exclusivamente à grana e ao marketing e se esquece que algumas vezes as coisas mais singelas podem estar por trás de grandes movimentos econômicos. Perderam o encanto.

E apesar de não ter gostado da idéia a princípio, aprovo a comoção que tomou conta dos torcedores em seguida. Ronaldo, que tem uma das mais belas histórias de superação no futebol mundial, pode até não ser um sucesso esportivo quando jogar. Mas só pelo encanto que trouxe para os menos azedos, já valeu a pena.

domingo, 7 de dezembro de 2008

O sofrimento dos outros

A internet é uma ferramenta sensacional. Mas ela torna as pessoas muito mais frias com o sentimento alheio. E isso é particularmente verdadeiro quando se trata de futebol. Na rede mundial, ter respeito pelos adversários é quase "coisa de viado", como já li um torcedor comentar no Orkut. Neste domingo de dúvidas sobre se ainda vamos chamar o campeonato brasileiro deste ano de Madonnão 2008, os vascaínos me deram a certeza de que ainda que haja dignidade no fracasso, o povo dos nossos tempos converte o sangue, o suor e as lágrimas dos rivais num riso cínico, insensível e escroto.

Um riso que vai muito além do tom de galhofa.



Não sou vascaíno. Sou antipático a Eurico Miranda. Não sou fã de Edmundo. Mas como não se comover com Pedrinho, vascaíno desde pequeno e que via seu clube do coração ser rebaixado? Como o encolhimento de um adversário histórico pode aumentar o tamanho de quem comemora o seu rebaixamento?

Nos minutos finais da derrota para o Vitória, os vascaínos cantaram o hino do clube. Sinal de grande dignidade. Um tipo de dignidade que só a derrota ensina. Um tipo de dignidade que passa longe de quem se diz vencedor às custas apenas do sofrimento dos outros.

sábado, 6 de dezembro de 2008

O drama de sifu

O presidente da República usou em público um termo cujo significado é "se fodeu". É quase tão inapropriado quanto ouvir Hugo Chávez dizer "Alca al carajo!", numa cúpula anti-tudo na Argentina. Mas acho sempre que as pessoas têm direito de dizerem o que quiserem. Inclusive o representante máximo de um país. Depois ele responde por aquilo que disse e fim de papo.

No caso de Lula, são apenas palavras ao vento.

Acontece que em alguns casos o que as pessoas dizem traz consequências. O que dizia há alguns meses esse mesmo mercado com diarréia ao qual o presidente se referiu no discurso do sifu? Não por acaso me lembrei de um gerente do banco onde tenho conta.

Ele é um yuppie convicto, com aspecto higiênico e olhos azuis, cabelos loiros, do tipo que os mais bestalhões confiam no primeiro segundo. Nem é pela simpatia: é pelo ar sério de quem sabe o que vai fazer com o seu dinheiro. Esse aspecto é tão convincente que neste momento ele nem é mais gerente pessoal: quando liguei para perguntar sobre os investimentos, me alertou que foi promovido e agora trabalha na sede do banco em São Paulo.

Pois bem.

Há um ano eu resolvi investir em um fundo de renda fixa cuja rentabilidade varia de acordo com ações da Bovespa. Era junho de 2007. Esse rapaz, com um nome grego bem esquisito, disse que eu tinha três opções: conservadora, intermediária e agressiva (a qual também poderia ser chamada de sifu hoje em dia).

Pedi a ele que traçasse um panorama sobre as finanças globais para que eu fizesse o investimento. Ele pintou um cenário róseo, como se eu pudesse fazer uma besteira colocando meu dinheiro no fundo mais conservador. Falou de mil vantagens, de como a Bovespa podia superar os 70 mil pontos (hoje são 40 mil) e disse que os menos otimistas optam pelo fundo intermediário.

Foi isso que eu fiz. E há três meses recebi uma cartinha dizendo que a porcentagem de retorno que eu teria com o fundo tinha passado por um "abalo". Interrompi o investimento. Ainda bem. Mas as palavras do yuppie que provavelmente ganha dez vezes mais do que eu machucaram o meu bolso. Poderia ter sido ainda pior se eu tivesse acreditado integralmente no que ele me disse.

E é aí que eu lamento: enquanto encheram o meu saco com o sifu do presidente, o meu dinheiro sifu no banco. Quantos outros não terão se dado ainda pior daqui alguns meses? E vão sifu não por uma questão de etiqueta. Vão sifu por picaretagem e incompetência do mercado diarréico. Um mercado que deveria assumir também nas palavras a sua porção da bosta geral que criou.

domingo, 30 de novembro de 2008

Sobre pornografia

Mino Carta é fotografado dando abraços quase ginecológicos no presidente Lula. Soninha Francine aceita cargo na administração do prefeito Gilberto Kassab, apoiado pelo governador José Serra apesar da candidatura de um membro do seu partido. Coerência zero.

Mas tem gente que acha isso tudo natural e que Carta, Francine e Serra recebem críticas apenas dos invejosos. Não tenho inveja de nenhum deles e acho que os três não fazem mais que pornografia barata e de mau gosto com suas posições.

Como pode o dono de uma revista que se pretende crítica dar afagos de Ursinho Carinhoso no presidente e depois dizer que a publicação não é petista? Como pode ele apontar o dedo para o ranço direitóide da revista Veja se CartaCapital é vendida com desconto para os filiados do PT? O senso crítico só vale para os outros?

Um amigo que é repórter da revista diz que batem em Henrique Meirelles, José Dirceu e Antonio Palloci e, por isso, ela não poderia ser classificada de governista ou petista, já que o partido não é um só: tem várias caras. A minha resposta foi "e daí?" Quando o dono da revista quase salta no colo de Lula no meio de um evento que promoveu, isso joga a publicação toda no colo de Lula. E ponto.

A vereadora Soninha é outro desses casos bizarros, com a diferença de que nunca prestou serviços relevantes ao país, enquanto o jornalista Carta é decisivo no desenvolvimento da profissão no Brasil no século passado. A ex-candidata à prefeitura deve ser indicada para comandar uma subprefeitura na gestão pefelista, mas acha injusto que digam que ela não é de esquerda por causa disso.

Se Francisco Weffort, um histórico da esquerda, foi taxado direitista quando aderiu ao governo Fernando Henrique e se tornou ministro da Cultura, por que uma figura tão pouco significante como essa moça, cuja história na esquerda é fantasia, mereceria destino diferente ao se aliar (desde a campanha) ao candidato que deu ao partido da ditadura a sua primeira vitória na capital paulista?

Soninha pode ser cheia de boas intenções. Mas não a levo a sério.

Sobre Serra, o que mais dizer? Tudo já foi dito e a briga dele com Alckmin, iniciada no início da década de 90, vai continuar até 2010. O ex-governador ainda vai ter de disputar com Afif Domingos, também do DEM, a indicação para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. E adivinha quem vai dar a bênção? Um pornógrafo.

Esses três só não fundam um partido juntos porque malandro que é malandro não diz que é malandro e sabe quem é malandro.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Dois vídeos

Eu não gosto do Jô Soares. É um dos maiores malas da televisão brasileira. Mas por absoluta preguiça de escrever, posto aqui dois vídeos com trechos de entrevistas dos presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso no programa dele.



domingo, 23 de novembro de 2008

O fator Haddad


Os amigos e os adversários reconhecem que o governador de São Paulo está bem cotado para disputar a Presidência em 2010, com boas chances de vencer. Além dos seus próprios méritos, ele conta também com a falta de um quadro governista natural à sucessão do presidente Lula. Não faço futurologia, mas dada a configuração pouco favorável a Aécio Neves em Minas Gerais, José Serra pode ter como grande adversário no seu projeto um candidato competitivo do PT em São Paulo, maior colégio eleitoral do país.

Tem gente que comenta que Dilma Rousseff é "boi de piranha". A dois anos das eleições, Lula teria lançado o nome da ministra-chefe da Casa Civil para, no fim das contas, entregar a candidatura a outra pessoa: o ministro da Educação, Fernando Haddad. Eu não acredito nessa tese. Dilma parece mesmo ser a candidata.

Mas depois dos resultados das eleições municipais de São Paulo, o recado para a votação para o governo do estado em 2010 é o seguinte: na maior cidade do Brasil, não terá chance nenhum quadro petista que já venceu eleições.

Nem Marta Suplicy nem Aloizio Mercadante.

Além da cara nova, Haddad é professor universitário, bonito, jovem e respeitável. É melhor candidato do que o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, ex-sindicalista de quem pouco se ouviu falar por estas bandas. Se Haddad for o candidato ao governo do estado e tiver chances reais de vencer a disputa, o que nunca aconteceu com o PT e provavelmente não aconteceria com Marta nem com Mercadante, Serra terá problemas.

Se for candidato a presidente e não vencer no estado que governa, dificilmente o tucano terá resultado diferente no resto do país. Ao contrário das eleições municipais, nas quais as questões locais são mais importantes, os governadores são eleitos também em função daqueles com quem se alinham. E diante da possibilidade de um nome petista vingar em São Paulo, é Serra quem não contaria com um candidato natural para sucedê-lo, a não ser que o prefeito Gilberto Kassab reconsidere sua decisão de ficar no cargo.

2010 promete ser muito divertido.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Os fatos e as opiniões

Há alguns dias, o colunista Clovis Rossi, da Folha de S.Paulo, escreveu um texto cheio de boas intenções em que chama de terrorista o colega Vladimir Herzog, executado pela ditadura apoiada por gente graúda do diário onde Rossi trabalha. Depois, ele pediu desculpas. No mesmo jornal e no seu blog na Internet, Juca Kfouri, ex-editor da Playboy, previu o fechamento das revistas que, alienadas, falam mais sobre futebol internacional. Não explicou suas razões, os leitores desaprovaram, mas ele parece não ligar.

Os exemplos de apropriação e distorção dos fatos pelos jornalistas das antigas cada vez mais reverberam por aí. Haja saco. Entendo que é preciso respeitar quem carregou bobina nas costas, brigou com grandes barões da elite nacional em troca de uma boa reportagem e se esforçou para que a imprensa do Brasil melhorasse.

Mas não dá para sentir um pesado enfado quando essas raposas velhas tratam o resto da mídia nacional como devedora a eles, que mostram dia a dia, no afã do jornalismo do chute pelo chute, que não vivem os melhores momentos das suas carreiras.

Nessa profissão, todos cometem erros: tanto de interpretação como de informação. Mas quem se vê como ombudsman do trabalho de todos os outros merece escrutínio mais embasado e distanciado do que tem havido para figurões como Rossi, Kfouri e alguns outros, que escrevem como se estivessem na Guerra Fria.

O mundo mudou e eles não parecem se dar conta.

O mundo mudou para melhor, apesar do pessimismo de grande parte dessa turma que já cogitou pegar em armas para libertar o Brasil do Regime Militar. Hoje em dia não há mais ditadura para enfrentar, embora haja quem veja no mercado um câncer em metástase, que proibe e autoriza apenas segundo uma lógica perversa. Não estou entre esses. E ainda acho que o primeiro compromisso do jornalismo é com a verdade, e não com o achismo e o risco do erro.

Todos nós temos direito a nossas próprias opiniões. Mas ninguém tem direito aos seus próprios fatos. Alguns próceres dessa turma mais antiga querem os fatos só para si. Não os terão. Não mesmo.

P.S.> Dadas algumas justas manifestações sobre este texto, é necessário pontuar isto: critico a falta de contundência nas críticas ao trabalho de Rossi e ao de Kfouri quando eles erram porque os dois são jornalistas respeitados e respeitáveis. Não se enquadram na categoria deles figuras como Mino Carta (empresário), Reinaldo Azevedo (maluco) e Paulo Henrique Amorim (puxa-saco e babaca).

sábado, 8 de novembro de 2008

Pra que serve campanha

Confesso que tenho me divertido com muito do que li depois da vitória do negão nos EUA. Tem um grupo, ex-entusiasmado, que fala da Obamania como se tivesse ficado fora dela. E tem outro que chuta o presidente-eleito porque a campanha dele não detalhou cada milímetro do que pretende fazer ou do que pensa sobre os dez milhões de assuntos que envolvem um mandato dessa estirpe.

O primeiro grupo não me interessa, porque ele cai nas mesmas obviedades de quem quer se mostrar isento só depois que a parada está decidida. Do jeitinho que a Folha fez na última semana de eleição em São Paulo, quando desceu o sarrafo no prefeito Gilberto Kassab, cuja vitória estava garantida. E por quem nada secretamente torceu por meses e meses de campanha.

O segundo grupo é mais divertido. São os profetas da sensatez reinaldoazevediana, que acham que os candidatos devem saber tudo o que vão fazer para governar. Como se em algum momento da história da democracia eles se antecipassem tanto assim. Como se todos os seus pensamentos tivessem de ser escrachados numa campanha na qual não entram para participar, e sim para vencer. Como se governassem primeiro e ganhassem a eleição depois.

Campanhas eleitorais tratam de compromissos, não de propostas minuciosas sobre tudo que afeta uma sociedade. Servem para destacar quatro ou cinco pontos que possam ser debatidos num jantar do Rotary e no buteco da Vila Mané. Há alguns anos ouvi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comentar sobre isso em uma palestra e me pareceu um exemplo perfeito dessa postura.

Conta ele que na sua candidatura ao Senado, no fim da década de 70, fazia um discurso em cada lugar, para mostrar substância. Até que o doutor Ulysses Guimarães o alertou: "Professor, tente repetir apenas umas três idéias. É isso que importa." FHC não conseguiu. Perdeu. Duas décadas depois, menos arrogante, venceu duas eleições para presidente levantando uma mão e falando em cinco pontos cruciais. Resolveu já no primeiro turno nas duas vezes.

Obama elegeu-se não porque detalhou as propostas nos mínimos detalhes, inclusive com eventuais ajustes e recuos. Elegeu-se porque deixou claros quais eram seus compromissos, hoje alinhados à maioria dos americanos. O compromisso é mudar exorcisar Bush.

As críticas dirigidas ao presidente-eleito dos EUA caem nesse terreno: ele só dá falsas esperanças, não tem conteúdo, não detalha propostas, repete o mantra único da esperança, com informações gerais sobre o que quer fazer especialmente em três áreas: economia, saúde e dar fim à guerra no Iraque. Como isso vai acontecer não interessa para os americanos. Eles elegeram essas prioridades, não a forma como elas serão conduzidas.

E fizeram a melhor escolha que poderiam.

No fim das contas, campanha serve mesmo é para ganhar a eleição.

E criar na memória coletiva momentos como este aqui:



O resto é conversa de quem perdeu.

P.S.> O Corinthians é campeão da Série B. E daí?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Que Obama não se engane

Tudo muito bem, tudo muito bom. É justo que pouco mais da metade dos estadunidenses quisesse dar um bico no presidente que produziu um dos maiores fracassos diplomáticos da história - no dia 12 de setembro de 2001 a manchete do principal jornal francês era "Somos todos americanos" e aquele apoio todo, visível nos cinco continentes após os ataques aos EUA, foi jogado na lata do lixo.

É compreensível que colocassem na Casa Branca as antípodas de George W. Bush, o presidente da crise econômica e da indiferença com o multilateralismo. É notável que o candidato do partido republicano, vítima da campanha negativa de Bush nas primárias de 2000, tenha se distanciado tanto do atual governo americano.

É justificável toda a emoção da comunidade negra dos EUA, que ajudou a eleger um dos seus para o cargo mais poderoso do mundo depois de décadas de segregação racial, tanto por medidas declaradas como por regras sociais arcaicas que ainda hoje são aceitas em parte da chamada América rural.

É notório que Barack Obama, além de todo o contexto, era um bom candidato, que cometeu poucos erros em uma eleição apertada para ele desde o início. Tão bom candidato era que movimentou uma das campanhas mais revolucionárias da história moderna (não sem uma bela ajuda da imprensa em um país onde a mídia exerce um poder ainda mais poderoso do que nestas bandas).

Mas é bom que o presidente-eleito dos EUA tenha em mente o tamanho da pressão que terá nas costas agora - afinal, além de tudo, ganhou votos em Estados que há décadas não elegia um democrata, como Indiana e Virgínia. Obama não tem mais um país tão dividido como nos últimos oito anos. O discurso do adversário John McCain admitindo a derrota é o maior exemplo disso.



Nenhuma semelhança com o clima de inconformidade dos democratas com as vitórias de Bush, sendo a primeira muito nebulosa e a segunda, com vantagem quase mínima.

McCain foi apenas elegante e resignado. Entendeu o momento.

Mais do que a guerra, a crise econômica une povos que antes pareciam inconciliáveis. Por isso também o mundo está em lua-de-mel com Obama. A oportunidade de superar as divisões americanas, que muitas vezes se repetem em outros países, está à vista. Exatamente por essa razão o presidente-eleito não pode pensar que tem carta branca por conta da comoção que gerou sua vitória.

Ela não se basta.

Vitórias avassaladoras são facas de dois gumes mais do que os triunfos apertados. Depois de passar a emoção, o que sobra é quanto da sua palavra Obama poderá cumprir. As suas escolhas nas próximas semanas vão indicar muito disso. O mundo pode estar apaixonado por Obama, mas gosta mais de si mesmo. O negão nem tomou posse, é verdade, mas o relógio para ele já está andando.

É bom que ele comece a correr. Bem rápido.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A simbologia de Obama e de Lula

É de se suspeitar que um brasileiro queira comparar o candidato democrata à Casa Branca, Barack Obama, com o presidente Lula, mas o jeito deles de fazer política não é lá tão distante assim. Já escrevi aqui que a simbologia de Obama é mais forte do que a de Lula, mas não expliquei direito o que penso. Como as eleições dos EUA são semana que vem e a vitória do negão é mais provável, vamos lá. O raciocínio tem a sociedade do amigo Caio Quero, mais esquerdista do que eu, é necessário dizer:

Obama é o símbolo dos Estados Unidos que dão certo, enquanto Lula é um brasileiro símbolo que deu certo. Obama é a personificação das políticas sociais, incluindo a afirmativa, que permitem às minorias ocupar um espaço verdadeiro na democracia americana, com chance de ocupar o poder. É o candidato que precisou de oportunidades reais para chegar longe e que as obteve com a ajuda do Estado.

Lula é a personificação de um brasileiro que encarna em si o fodão e o fudido ao mesmo tempo, como diz o seu marqueteiro, João Santana. Ele não chegou ao Palácio do Planalto porque o Brasil deu mole. Teve de superar cada obstáculo para ficar perto da tomada de decisão. O Estado não o ajudou em nada antes da eleição. Toda a sua trajetória tem como base a luta por esse tipo de benefício.

Na esfera partidária, Obama tem outra diferença com Lula. O senador pende mais para uma espécie de Luiza Erundina, que tomou de Plínio de Arruda Sampaio a candidatura petista à prefeitura de São Paulo, em 1988, porque mexeu com as bases, não com a cúpula. Lula sempre esteve acima do bem e do mal no PT. E mudou a esquerda brasileira sem que o partido passasse por um processo de rediscussão pré-poder. Foi diferente na Alemanha, na Inglaterra, na Itália, na Espanha, onde vocês quiserem.

Qual dos dois é melhor nessa simbologia? Obama parece mais completo, mas nada garante que ele saberá transformar todo esse capital político em ações positivas para conter a crise econômica, vencer duas guerras no exterior e unir um país tão fracionado. Um país que ele ajuda a fracionar na campanha contra John McCain.

Apesar dos pesares, talvez o rapaz devesse pedir uns conselhos pro tio Lula. Na hora de governar, a simbologia vai pro vinagre.

P.S> Deixo duas dicas de vídeos: as peças finais de propaganda eleitoral de Obama e de Lula, favoritos nas pesquisas dias antes da eleição. Ali já se vê que a simbologia conta menos do que a necessidade de um tom presidencial.

Neste vídeo de 27 minutos, transmitido num monte de canais de TV na noite de quarta-feira. Obama até faz referência ao que representa (afinal, é difícil encher meia hora de programa), mas isso é o que menos importa ali. As propostas ganham o centro.



E aqui o melhor vídeo de propaganda eleitoral da história recente do Brasil. O slogan da mudança não serve como simbologia de Lula per se. Nenhuma palavra sobre operário, nordestino, sofrido, esquerdista, oposição ou seja o que for. É pra todo mundo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Um informe e um pedido

Pousei em São Paulo, vindo de Paris, no dia 19 de setembro. Voltei ao trabalho no dia 22. E desde então, tive dois dias de descanso (um sábado e um domingo). Tudo porque além de cobrir as eleições municipais, aceitei uma proposta para mudar de emprego depois de pouco mais de quatro anos. E tive de aceitar no meio da campanha, o que não raro implicou em jornadas de trabalho de até 17 horas.

Além de repórter da agência Reuters, cobrindo os candidatos nas regiões mais afastadas da cidade (o que é sempre mais interessante), trabalhei como editor-chefe da edição brasileira da revista de futebol inglesa FourFourTwo, cuja primeira edição está chegando às bancas das maiores capitais nesta semana.

Agora é esse o meu único trabalho. E até a revista vender bem, a equipe da revista sou eu. E uma diretora de arte. E um revisor.

Por favor, me ajuda. Eu podia estar matando, eu podia estar roubando, mas estou só pedindo para vocês comprarem uma revistinha por sete real. A gente não temos verba de publicidade.

Que nossosenhorJesusCristo te abençoa.

domingo, 26 de outubro de 2008

Venceu a política tradicional

Nas eleições que minimamente importam neste país, ficou claro que venceu quem soube usar a política tradicional: formação de alianças, exploração do tempo de TV e conservadorismo em relação aos governos federal e estadual. Por mais se exalte o prefeito-eleito de São Paulo como novidade ou que se critique o colega dele no Rio de Janeiro, por exemplo, o fato é que os eleitores demonstraram não estar interessados em muita mudança em relação ao que está posto.

Kassab se viabilizou pela disposição de Serra de rachar o PSDB paulistano, por medo de perdê-lo para um Geraldo Alckmin cada vez mais inclinado às Minas Gerais, e pela capacidade de se acertar com o PMDB de Orestes Quércia, que pode ser oco, mas oferece tempo de TV e capilaridade nos bairros. Nada mais tradicional.

Eduardo "Troca-Troca" Paes (mudou de partido sete vezes) é um tradicionalista por definição. Sabe medir os ventos e ajustá-los, com uma assustadora flexibilidade ideológica. Elegeu-se rachando o eleitorado e colocando-se ao lado de um presidente popular que já acusou dos piores crimes. Mas na política segue valendo o ditado: quem não sabe virar a página, não merece ler o livro. Paes sabe.

Em Belo Horizonte, há quem tente diminuir a vitória de Márcio Lacerda, poste do governador Aécio Neves e do prefeito Fernando Pimentel, arquitetos da aliança entre os dois partidos que polarizam as eleições nacionais. O peemedebista Leonardo Quintão veio com o papo de que o eleitor tinha dado seu grito de independência, mesmo depois de ele ser derrotado. Tudo conversa mole. Perdeu para um candidato fabricado em laboratório. O eleitorado comprou.

Salvador, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Goiânia, Curitiba, Belo Horizonte. Onde é que alguém contrariou essa lógica da tradição? Diante de candidatos representantes desse tipo de política, o máximo os rebeldes conseguiram foi chegar ao segundo turno. Raramente fizeram mais que isso - talvez o exemplo mais claro seja Santo André, onde o petista Vanderlei Siraque conseguiu a alckminiana façanha de terminar o segundo turno com menos votos do que obteve no primeiro. Que beleza.

Até em São Luís, quem diria?, o tradicionalismo venceu por meio de um candidato da oposição. O eleito, João Castelo (PSDB), é adversário da família Sarney, da qual foi cria. E o comunista Flávio Dino, apoiado pelo clã, perdeu. O governo estadual está nas mãos de Jackson Lago (PDT), que alijou o ex-presidente do poder no Maranhão pela primeira vez em 40 anos, em 2006.

A tradição venceu, de lavada. E venceu sem um candidato se eleger batendo no presidente da República cuja popularidade bate nos 80 por cento. Não acho que o eleitor brasileiro seja conservador por natureza, mas que desta vez ele foi bastante cauteloso e atento ao "continuaremos o que está bom", ah, isso ele está.

sábado, 25 de outubro de 2008

Nada além da obrigação

Não dá para negar: a campanha do Corinthians na Série B pouco teve de comovente. O time, ao contrário do que alguns críticos previram no início do ano, sobrou na competição e garantiu o acesso à elite do futebol brasileiro, de onde nunca deveria ter saído, com várias rodadas de antecedência. Os jogadores e a diretoria não fizeram nada além da obrigação, já que até clubes menos portentosos como Atlético Mineiro e Botafogo retornaram um ano depois de terem caído. Isso tudo é fato.

Assim como é fato que o goleiro Felipe não fez nada além da sua obrigação ao pular o alambrado e se misturar a milhares de corintianos aliviados pelo retorno à elite do Brasileirão. Pode parecer algo muito fora do comum para quem não torce pelo Alvinegro, mas quem faz parte da torcida mais fiel do Brasil sabe que belas demonstrações como aquela são corriqueiras na história do Coringão. Felipe apenas seguiu uma antiga tradição do clube. Emocionar era com o Corinthians. E continua sendo.

No ano passado, assisti ao Corinthians cair para a segunda divisão enquanto trabalhava no plantão do fim de semana. Havia eleições na Rússia, referendo na Venezuela e três TVs ligadas nos jogos que decretariam o destino do meu time de coração no ano seguinte. Assisti aos três enquanto escrevia. Qualquer corintiano faria o mesmo. Não era mais do que a minha obrigação.

Perdemos. Senti o baque por dois minutos. Pensei em como neste ano a fórmula se repetiria: derrotas aumentadas e vitórias menosprezadas. É assim que acontece na periferia desde antes de 1910, ano em que surgiu o primeiro clube no Brasil, salvo engano, a ter um negro entre os seus dirigentes fundadores.

Depois de quase 11 meses de incômodo - nunca foi calvário, porque a certeza da volta à primeira divisão existe há meses -, assisti pela TV ao Corinthians cumprir sua obrigação.

Tudo bem, não foi nada demais voltar ao lugar devido. Mas foi bom demais reviver o heroísmo das pequenas coisas. Aquelas que um torcedor mais identificado com os troféus do que com o futebol não entende. Aquelas que só o Corinthians desperta em tanta gente.

Nada além da obrigação de quem é tão diferente dos outros.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Um exemplo de baixaria

Ainda em referência ao que vale e o que não vale na política - sempre de acordo com a minha opinião: não vejo problema em mexer com a vida pessoal do adversário político quando o limite da verdade é respeitado. Por isso que se diz que os eleitos têm vida pública. Supostamente para servir ao público.

Mas é muito baixo envolver em uma discussão política pessoas que não pediram para entrar nela. Que não disputam cargo público.

Eis aqui um exemplo.



É por isso que eu bebo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Sobre política suja

Sou bastante mais liberal do que muita gente em relação ao que é jogo sujo ou não na política. Claro, respeito a opinião de todos, não me julgo mais esperto nem mais ingênuo do que ninguém. Mas vou deixar aqui uma posição mais clara sobre o que pode valer e o que não vale - sempre segundo minha opinião.

Eu acho que o limite da política é a verdade. Um político que conta mentiras, faz jogo sujo. Já inventaram que a campanha dos cinco dedos do FHC em 1994 servia como alusão ao dedo a menos de Lula. Isso é ignorância ou mentira. O gesto servia apenas para reverenciar Tancredo Neves. E nada mais.

Assim como inventaram de dar camisas do PT a sequestradores do empresário Abílio Diniz. Uma armação escrota, desmascarada apenas anos depois. Mentira deslavada.

Quando não é mentira, torna-se opção. E digo a razão.

Ninguém espera que os políticos digam a verdade o tempo todo. Ninguém. Eles estão autorizados a serem, digamos, ambíguos, porque a política nunca foi feita apenas da verdade. E isso qualquer sociólogo mais ou menos já disse muitas vezes.

Política é instrumentalização.

Nunca li Kant na vida, mas já ouvi muita gente falar que o filósofo defende que nunca devemos usar os outros para fins que beneficiam apenas a nós mesmos. Mas a política cabe nesse tipo de ética?

Na minha visão, não.

Portanto, se alguém utiliza seja o que for contra um rival e essa ferramenta não está distante da verdade, não vejo como falta de ética. Pode ser uma opção mal ou bem utilizada, que sempre resvala nas condições políticas e sociais.

Em suma, política suja é inventar e mentir.

O resto, é escolha, bem ou mal feita.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Retificando e andando

Já que o colega Ricardo Noblat não retifica o erro, faço isso por ele: ao contrário do que informou o seu blog, Gilberto Kassab não ganhou um monte de pontos nas pesquisas após a gritaria a respeito da propaganda da rival Marta Suplicy. As projeções extra-oficiais do blog do Noblat apontavam para esse cenário, mas lamentavelmente os eleitores não corroboraram sua tese. Que pena.

Kassab segue rumo à reeleição, sim, com tranquilidade. Mas ficou claro que o povo de São Paulo não deu a mínima para a polêmica da propaganda da petista. Só serviu para consolidar votos já consolidados. A fatura está liquidada. Nunca houve virada em segundo turno na eleição paulistana e não haverá agora.

Desde que o 2o turno se configurou, os paulistanos já sabem em quem vão votar. E o mesmo se aplica a várias outras capitais onde haverá eleição no dia 26. A única grande exceção é o Rio de Janeiro.

Talvez alguns jornalistas tenham sido mais sensíveis à propaganda de Marta e acreditaram que ela despencaria nas pesquisas porque não são casados nem têm filhos. Estou na mesma condição, provavelmente por motivos diferentes, mas respeito a opção que fazem. Inclusive a de ficarem bem histéricas.

José Serra e as polícias

O governador paulista não deveria ter denunciado um suposto uso eleitoral para a greve dos policiais civis do estado - a troco de quê, se o seu candidato vai sucedê-lo na prefeitura de São Paulo?

Ele também foi pouco hábil por não ter tido comando para aplacar as reclamações dos grevistas e ajudar a resolver o impasse. Não explicou nada e não disse palavra sobre o que pretende fazer para acalmar as tensões entre as polícias militar e civil.

Mas certamente agiu como deveria ao mandar os militares para cima dos revoltosos que foram ao Palácio dos Bandeirantes para tornar ainda mais públicas as queixas, sejam elas justas ou não.

Policiais civis têm permissão para andar com arma. E armados foram eles até a sede do governo, numa clara afronta, cobrando ainda que os colegas militares os acompanhassem no protesto. A recepção que tiveram foi a que mereceram.

Até porque se eles tivessem chegado às grades do palácio sem resistência, o governador passaria a impressão de ser frouxo. E foi por uma situação assim que André Franco Montoro ganhou pecha de bundão quando ocupou o cargo. Perdeu o comando das polícias, foi desafiado e vergou. Polícia é a única coisa que os paulistas sabem que realmente tem a ver com o governo estadual e é o maior ponto de pressão para os governantes daqui, sempre presidenciáveis só por ocupar o cargo na região mais rica do país.

Serra, ex-secretário de Montoro, não cometeu o mesmo erro. Quem quer porque quer ser presidente da República não fica com coração mole nesse tipo de situação. E apela até ao programa do Datena para justificar a necessária truculência, ainda que não convoque uma coletiva para explicar o assunto com a devida seriedade.

Mas o que ele pensa em fazer para resolver o impasse?

O governador não parece saber.

Por mais que impedir a chegada dos manifestantes tenha sido justo, nada disse Serra para explicar como o estado de São Paulo, pela primeira vez na sua história, viu um conflito desse tipo.

Por isso, ou Serra aprende a tratar direito com os policiais ou vai ver sua cadeira balançar bastante até 2010. Não adianta ganhar a prefeitura de São Paulo se perder o comando das polícias.

Não mesmo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Marta já mira Kassab como líder do ex-PFL

Depois do 1o debate apenas entre o prefeito-candidato Gilberto Kassab (DEM) e Marta Suplicy (PT), dois importantes momentos foram ignorados -ou substituídos- pela imprensa. Ambos vieram da boca da petista, como não podia deixar de ser, já que é ela quem tem de reverter desvantagem, não Kassab.

O primeiro foi quando Marta mostrou um documento perguntando sobre uma decisão do prefeito de barrar licença maternidade por seis meses. Kassab se enrolou todo e explicou o veto como se fosse uma questão burocrática, tanto que reapresentou o mesmo texto com pequenas alterações no ano eleitoral.

A petista leu o texto do veto do prefeito, no qual ele questiona o mérito da licença de seis meses, uma vez que, segundo ele não há indícios científicos de que ele seja necessário.

(Durante o debate, o blog do jornalista Ricardo Noblat postou o trecho de vídeo com a enrolada de Kassab. Estranhamente, horas depois o post tinha desaparecido. Não sei qual foi o motivo.)

A resposta do prefeito-candidato foi tão ruim que ele se perdeu na tréplica, achando que era hora de fazer pergunta, e não de tentar rebater o motivo. Perdeu os dois primeiros blocos do programa.

O segundo momento importante foi quando Marta afirmou com todas as letras que Kassab será o líder que restou do ex-PFL, visto que o partido foi o que mais perdeu nas eleições. A petista, ao que parece, sabe que não vai vencer, quer apenas diminuir a desvantagem em relação a Kassab e fazer com que haja mais em torno do prefeito-candidato do que a aura de bom moço.

Em um debate com pico de 9 pontos no Ibope, nada absolutamente sensacional, vejamos os acontecimentos dos próximos dias para saber como as coisas evoluíram. Até porque além do debate, conforme eu previa, entrou em pauta a sexualidade de Kassab.

Até que demorou.

A campanha da petista Marta Suplicy jogou uma frase ao vento e a imprensa, que não sabia como discutir o assunto e possivelmente nem sequer o faria até o fim da disputa, embarcou. Embarcou com um tom de indignação com toda a cara de ópera bufa.

Pelo que me lembro, Luiza Erundina cansou de sofrer com insinuações de ser lésbica e não me recordo, talvez pela pouca idade, de uma reação igualmente indignada. Ao contrário: o tom de chacota malufista reverberava por aqui e por ali.

Marta Suplicy possivelmente tenha respondido mais sobre seu estilo de vestir do que sobre qualquer ação que desenvolveu quando prefeita. Então qual é o problema para os conservadores eleitores de São Paulo se deparar com essa questão sobre Kassab?

A questão é que mulher não pode fazer o que quiser e homem, pode? É esse o pano de fundo. Não se condena ninguém pelas escolhas pessoais que faz, mas utilizar termos como "paraíba-masculina" e "dona Marta", em referência a dondoca, me parece ainda mais pornográfico e apelativo. Ou será que a imprensa não tem memória?

Seja como for, mesmo com a provável vitória em São Paulo, Kassab finalmente descobriu que participar do cenário político nacional tem custo -e é custo pessoal sim, senhor. Ou será que ele esperava ganhar projeção, ser o mais poderoso político de um partido importante sem nenhum sacrifício?

P.S.> Lembra o amigo Fernando Vives que em um dos debates da disputa para a prefeitura de São Paulo em 2000, o jornalista Fernando Rodrigues perguntou a Marta durante debate na TV Bandeirantes: "A senhora já traiu o seu marido?" A petista reagiu bastante irritada, como de costume, mas o estrago já estava feito.

Nos dias anteriores, o adversário Paulo Maluf cansou de dar entrevistas com insinuações e piadinhas sobre isso. A indignação da imprensa foi tão grande que eu nem lembrava desse episódio.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Uma chance para o Rio discutir

São Paulo vai voltar aos braços da direita mais direitosa. Salvador vai superando o carlismo. Fortaleza começa a abandonar Ciro Gomes e Tasso Jereissatti. Belo Horizonte discute se vale ou não eleger um poste só porque ele tem amizade com o prefeito e com o governador. Porto Alegre segue dividida no seu Gre-Nal político entre PMDB e PT. E o que será que será do Rio de Janeiro?

Não sei dizer.

Eduardo Paes é do PMDB. Mas também passou pelo PSDB, que o alçou à condição de menino da Globo na CPI dos Correios, e pelo DEM, por afinidade política com o prefeito César Maia. Meu Deus, o que é César Maia? Nem ele mesmo deve saber.

Pois bem. O adversário dele é Fernando Gabeira, revolucionário que, segundo um ex-colega de guerrilha, era mais eficiente pedindo pizzas e fumando maconha do que pensando no que fazer para libertar o Brasil da ditadura. O mesmo Gabeira que foi do PT e há três anos flerta com o PSDB.

O que muda com a eleição de um desses dois? Paes é mais próximo do governador Sérgio Cabral. E se for eleito, ficará mais próximo do presidente Lula, cujo governo cansou de chutar em sua arrebatadora passagem pela Câmara dos Deputados.

Mas por que seria diferente se o vencedor for Gabeira? Ele também bateu sem cansar no governo Lula e, se eleito, cairá gostosamente no colo do Palácio do Planalto. Afinal, nenhum prefeito administra sem ajuda do governador e do presidente.

Então qual é a diferença? O que eles mostraram que farão de diferente de César Maia? Não moro no Rio, mas dá pra saber: nadinha. Nada que mereça ser chamado de algo.

Para a sucessão presidencial de 2010, tanto faz. Mas os candidatos poderiam ao menos se dar uma chance para discutir política. Política para a cidade, e não discurso udenista para a zona sul contra discurso populista para o povão.

Em São Paulo, cidade da única eleição municipal que realmente importa para o país, dá para entender parte do clima anti-Marta. Ela faz política e representa idéias, com as quais as pessoas concordam ou não (apesar dos machistas e das pudicas que a detestam porque ela se separou do panguão do senador Eduardo Suplicy).

Mas o que pensa Eduardo Paes sobre política? Dane-se que ele é amigo do governador. O que ele acha? Não sei quem saiba responder. E o rapaz já passou por sete partidos, já deveríamos saber o que ele pensa. Ou será que ele também não sabe?

E Gabeira? Tem mais alguma coisa além do discurso udenista-ex-petista pela ética e pela moralidade ou tem algo a oferecer além das perspectivas de fazer o Bolsa Tanga de Crochê?

Tentei saber, mas não consegui.

O último político do Rio que foi levado a sério é Leonel Brizola, um gaúcho. Antes dele, talvez tenha sido Carlos Lacerda, que hoje se sentiria à vontade no Democratas fazendo campanha por Jorge Bornhausen presidente. Alguém consegue ver o Rio muito diferente com Paes ou com Gabeira? Sinceramente, não consigo.

O segundo turno carioca pode ser ainda ser uma boa chance para os candidatos do Rio fazerem política. Já passou da hora de simpatia vencer eleição na cidade que tem o cenário natural mais lindo do mundo. Até porque votar por simpatia é coisa para caipira paulista.

sábado, 4 de outubro de 2008

Eu ouvi, ninguém me contou

Na sexta-feira, antevéspera das eleições municipais, cobri a vistoria do prefeito-candidato Gilberto Kassab ao Parque do Povo, construído na popular área nobre do Itaim Bibi, zona sul de São Paulo.

Durante a caminhada, fui andando a esmo até que me vi caminhando lado-a-lado com um grão membro da administração DEM-PSDB, que conversava com alguns subprefeitos. E ele, que ao chegar conversou comigo e com outros colegas, disse aos companheiros de campanha, obviamente sem notar a minha presença:

"Está tudo caminhando para o nosso lado, a imprensa toda está a nosso favor", disse ele, que comentou também sobre a beleza do Museu do Futebol, recém-inaugurado.

Não publiquei o nome dele nem a declaração no texto que escrevi para o lugar onde trabalho porque não tenho a gravação. Não que seja crime dizer isso, mas vindo de quem veio serviria para referendar o óbvio não-lulante.

Nunca fui petista nem tucano, muito pelo contrário, mas não tem como não ver a falta de equilíbro da imprensa na cobertura das eleições paulistanas --as únicas que realmente interessam neste país, porque são as únicas que têm caráter nacional.

Para quem discorda da minha crítica, já exposta antes neste mesmo espaço, sugiro a leitura da capa do caderno DNA Paulistano publicado pela Folha de S.Paulo na véspera da eleição.

É absolutamente didático.

Há três colunas horizontais com três fotos para cada um dos que, segundo as pesquisas de intenção de voto, são os primeiros colocados na disputa.

Na primeira coluna aparece uma série com a petista Marta Suplicy acima da frase "O que eles propõem..."

Na segunda está Kassab. E entre a série de fotos dele e a do rival Geraldo Alckmin, o pessoal lê "... o que a cidade quer".

Dada a amizade entre Kassab e o governador José Serra e deste com a direção do jornal mais importante do país, me pergunto se não tem algo de verdade na piada que diz que a Folha vai começar a acompanhar o padrão do maior diário italiano.

E trocar de nome para Corriere dello Serra.

De fato, seria mais honesto.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Lewis Hamilton, o idiota

"Sei que sou tão bom quanto Senna foi", disse ele, maior campeão da história da Fórmula 1 e melhor piloto de todos os tempos, referindo-se ao tricampeão em entrevista ao canal alemão RTL.

Então tá.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Brio e estupidez no Rio Grande do Sul

Sou paulista e não acho que onde nasci me faz superior em nada. Tem gente boa e gente ruim em todo lugar. Mas não consigo não ficar encucado com uma coisa: por que tantos gaúchos que conheci, pessoalmente ou pela mídia, confundem brio com estupidez?

Esse é certamente o caso do vice-presidente de futebol do Grêmio, André Krieger, que disse ver favorecimento ao Palmeiras na disputa pelo título brasileiro, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) absolveu o meia-atacante Diego Souza depois da cotovelada que ele deu em um rival do Cruzeiro.

"Não se pode abrir o coração sob risco de uma punição moral. Mas isso já aconteceu há alguns anos, contra o Inter, e o favorecido foi o Corinthians", afirmou ele, em entrevista à Rádio Bandeirantes.

Então tá.

O time dele é treinado pelo Celso Roth, estava surpreendentemente liderando o campeonato, caiu de produção e agora o Palmeiras está sendo beneficiado, igual ao Corinthians em 2005. Os parceiros do Palmeiras investiram milhões no time e na comissão técnica e o dirigente do Grêmio se vê prejudicado. Oquei.

A impressão que fica é que tem muito gaúcho provinciano comandando os dois clubes grandes do estado. Pra mim, os gaúchos são os chineses do Brasil: têm lá sua importância e ficam choramingando porque o mundo não admite que a terra deles é a mais importante que já existiu e que se eles não vencem sempre, é porque houve um terrível complo dos invejosos e inescrupulosos.

Um saco.

Em 2005 foi a mesma coisa em um grau muito maior com o Internacional. Eu defendia que o campeonato fosse anulado quando descobriram os roubos do juiz vagabundo. Mas os clubes quiseram jogar. Para continuar jogando, a exigência foi que se disputassem as partidas em questão mais uma vez. E o Corinthians saiu campeão. O Inter, como se nunca mais fosse ganhar um título na sua história, ainda reclama. Ganhou o Mundial e ainda reclama!

Um tédio.

Acho que alguém tinha de começar a dizer pros cartolas gaúchos que brio e estupidez são coisas diferentes. Os dirigentes do futebol do Rio Grande do Sul têm de aprender não apenas a perder, mas também a assumir responsabilidades.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

A crise explicada

Está no blog do colega Fernando Canzian, é de autoria desconhecida, mas não tem como não ler isto para entender a crise nos Estados Unidos, talvez a maior que já existiu no mercado financeiro.

Vamos lá:

"O seu Biu tem um bar, na Vila Carrapato, e decide que vai vender cachaça 'na caderneta' aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados.

Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito).

O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de 'emibiêi', decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia.

Uns seis 'zécutivos' de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer.

Esses adicionais instrumentos financeiros alavancam o mercado de capitais e conduzem a operações estruturadas de derivativos na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu).

Esses derivativos estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.

Até que alguém descobre que os bebuns da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o Bar do seu Biu vai à falência. E toda a cadeia desmorona."

Fica aí a indicação.

sábado, 27 de setembro de 2008

Experiência

Piedosos leitores, operadoradetelemarketingmente vou estar testando o sistema de blogs da Abril pelas próximas semanas, a convite da editora. Por algumas semanas, publicarei os mesmos textos cá e lá, no endereço http://blogs.abril.com.br/blogdosavarese.

Durante a minha estada em Pequim, conversei por email com um diretor da editora --assim como aconteceu com muitos outros blogueiros-- me sugerindo que fizesse a mudança em troca da possibilidade de participar de cursos e de promoções.

Ouvi amigos nas últimas semanas com argumentos favoráveis e contrários a essa iniciativa, que causou polêmica entre muitos blogueiros, uma vez que a editora pode usar nossos posts para dar chamadas na capa do seu site sem pagar um centavo aos autores.

Outros falaram na maior repercussão no site da editora, que parece determinada a ser mais atenta com produtos de Internet. Depois de pesar tudo, resolvi experimentar o sistema da Abril e se dentro de algum tempo ele parecer melhor, farei a mudança em definitivo.

Se vocês tiverem opinião sobre o assunto, peço que me deixem nos comentários ou se manifestem por email. Aqueles que puderem contribuir, agradeço de coração. Aqueles que não puderem contribuir, agradeço da mesma maneira e desejo a todos uma boa viagem e quenossosenhorJesusCristo esteja com vocês.

Clima por Kassab

Há alguns meses eu dava por certa a eleição do tucano Geraldo Alckmin como prefeito de São Paulo. Pelo visto ele não vai nem para o segundo turno. E possivelmente ainda pegue o caminho da rua do PSDB e se filie a uma sigla lulista, como o PSB. Quem sabe ainda opte por uma sigla de oposição menos tucana, como o PPS. Mas o fato é que a perspectiva do ex-governador está sendo frustrada pelo atual prefeito, Gilberto Kassab, que conta com amplo apoio da mídia e, é claro, da máquina municipal para se manter no cargo.

Um bom termômetro para mensurar o clima pró-Kassab é a Folha de S.Paulo, que tem publicado as matérias menos favoráveis ao prefeito no caderno da cidade, não no de política, onde sobram pancadas para Alckmin e para a petista Marta Suplicy. Não poderia ser diferente dada a pública amizade dos donos do jornal com o governador José Serra, que age nos bastidores em favor de Kassab.

A prática é legítima. O jornal vende seu produto e as pessoas compram se quiserem. E por ser empresa privada, tem o direito de apoiar quem bem entender. Seria melhor se o fizesse.

O problema é quando esse apoio se torna intelectualmente desonesto. Matéria publicada no site UOL, de propriedade da Folha, diz que a petista, líder nas pesquisas de intenção de voto, já é superada por Alckmin e por Kassab no segundo turno das eleições. No site, o título da referida reportagem é "Pela primeira vez, Marta é ultrapassada por Alckmin e por Kassab no 2º turno".

Diz a reportagem que, de acordo com dados do Datafolha, "Alckmin tem a maior vantagem sobre Marta em um eventual segundo turno. Ele venceria por 48% a 45%. Já Kassab está um ponto a frente, com 47% a 46%". No país de onde eu venho, as pessoas falavam sobre margem de erro, que nessa sondagem fica nos dois pontos percentuais para mais ou para menos. Mas para o UOL, do grupo Folha, isso permite uma matéria mesmo em uma campanha acirrada como é a corrida pela prefeitura de São Paulo.

Nas poucas semanas em que cobri a eleição paulistana, cansei de ouvir no trabalho a respeito da necessidade de se tomar cuidado com a linguagem na hora de falar sobre pesquisas eleitorais. E de tentar ser equilibrado, uma vez que, no fim das contas, as diferenças entre os três são bem poucas --a diferença recai apenas em quem é o chefe do grupo que vai aparelhar a prefeitura nos próximos quatro anos. No fundo, é o que importa.

Por isso fico um tanto enfadado com quem tenta criar um clima anti-petista, como se a sigla fosse o mal maior a ser evitado. Nunca fui petista, estou à esquerda do PT e não consigo não achar um tanto ingênuo o excesso de crítica com a ex-prefeita, Clima que agora se estende a Alckmin, unicamente porque o personalista governador de São Paulo quer um aliado mais próximo na Prefeitura.

Esse é o tipo de aproximação que ajuda a inventar divisões onde elas não existem de verdade. E que hoje, por meio da mídia, despolitiza a campanha em relação aos temas que poderiam importar e trabalha em favor de Kassab e Serra. E de ninguém mais.

Tem gente que pode dizer que eu não estou acompanhando a eleição paulistana há tanto tempo, porque só comecei a segui-la de perto há algumas semanas. É verdade. Mas pelo menos no caso da conjuntura paulistana, ainda posso me valer de um velho bordão, porém pertinente, para me sentir livre para falar a respeito dela.

Não é preciso entrar no chiqueiro para saber que os porcos fedem.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Alckmin, Serra e o fim do PSDB

Eu tenho certeza de três coisas nesta vida: 1 - sou heterossexual, 2 - sou corintiano e 3 - vou escrever um livro sobre o fim do PSDB. E quando o texto estiver pronto, ainda não sei em que ano, ele será dominado por duas figuras: Geraldo Alckmin e José Serra.

São eses dois que há mais de 15 anos militam por duas correntes bem distintas do mais paulista dos partidos brasileiros. E são eles que darão fim à sigla para que surja alguma outra coisa que não faço idéia do que pode ser. Ainda que o nome fique, estará longe do que planejavam os seus pioneiros.

Serra é o homem do establishment. Intelectual, ideologicamente híbrido, egocêntrico, centralizador e cacique tucano desde que ajudou a fundar a legenda, por conta de supostas diferenças inconciliáveis com o PMDB de Orestes Quércia.

Fundador assim como Alckmin, não muito intelectual, conservador, um tanto mais capaz de delegar tarefas e pertencente ao baixo clero tucano, daqueles que foram praticamente aceitos sem que se esperasse muito deles em troca. Um homem das bases.

Neles dois, estão os modelos de partido que fazem o PSDB se debater há anos: apelar aos caciques e sem captar o senso das ruas ou buscar as bases e apontar representantes que não tenham o mesmo brilho? Os tucanos, coitados, ainda não sabem.

Assim como o ex-presidente José Sarney, Serra gosta de ser ungido. É assim desde quando promoveu conchavos que o levariam da Juventude Estudantil Católica à presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE) em plena década de 1960 e, dali, ao exílio.

Somente décadas depois, pouco antes de ser alçado pelo padrinho FHC ao Ministério da Saúde, onde ganhou visibilidade e o direito de disputar a sucessão do grande amigo como candidato do governo, é que Serra percebeu que nem todos queriam ungi-lo.

E o artífice dessa situação se chama Geraldo Alckmin, ariete-mor de Mario Covas, grande rival interno do atual governador paulista desde a militância de ambos no MDB.

Engenheiro, santista e muito turrão, Covas não engolia Serra, professor de economia, palmeirense e muito turrão.

Foi por isso que em 1991, o deputado federal Alckmin teve apoio de Covas para destronar o candidato de Serra e do establishment tucano da presidência estadual da legenda.

O prêmio do falecido governador foi disputar o Palácio dos Bandeirantes e se alinhar para concorrer mais uma vez à Presidência. Alckmin ganhou o cargo de vice-governador e um inimigo poderoso. Serra conquistou uma vaga no Senado.

E quando concorreu à Prefeitura de São Paulo pela primeira vez, em 1996, não recebeu a mínima ajuda de Covas nem de Alckmin. Perdeu para Celso Pitta, candidato do então prefeito Paulo Maluf, tão popular que naquela época elegeria para sucedê-lo até a um hidrante de peruca --o que o tempo se encarregou de demonstrar.

A idéia de Covas era esperar a conclusão dos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, eleito e reeleito pelo sucesso do Plano Real, e voltar a disputar com Serra. Desta vez, para concorrer à Presidência em 2002. Mas a morte chegou antes para o governador e abriu o caminho para o popular ministro da Saúde.

Serra foi ungido --apesar de defecções claras, como a de Tasso Jereissatti, defensor de Ciro Gomes. Covas, talvez, também desertaria. E Alckmin, tentando a reeleição como governador, parece não ter se empenhado pelo candidato tucano à Presidência.

Lula vence de lavada.

Inclusive em São Paulo, estado governado por Covas-Alckmin.

Em 2006, a divisão chega ao seu auge, com Serra querendo ser ungido e Alckmin ciente de que tem a base do partido com ele. E o então governador levou a melhor. Agora, em 2008, Alckmin tenta se eleger prefeito contra um candidato que era vice de Serra há quatro anos e que conta com vários tucanos no gabinete.

Serra sabe que não pode perder vexatoriamente uma eleição na capital do estado que governa. E Alckmin sabe que sua sobrevivência política depende de ir pelo menos ao segundo turno em São Paulo e destronar os serristas da máquina municipal.

Serra e Alckmin sabem que, depois da divisão na única eleição municipal que realmente importa no Brasil, o PSDB entrará em 2009 menor do que começou este ano. Se bobear, Alckmin já botou na conta do papa inclusive a sua saída do partido. E Serra sabe que isso o enfraquece para a disputa à Presidência em 2010.

O governador mineiro, Aécio Neves, sorri e espera na esquina.

Pelo visto é melhor eu já ir adiantando o livro.

P.S.> A referência ao hidrante de peruca é atribuída ao amigo Fernando Vives, o probo.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Como é sem graça a Segundona

Sinceramente não consigo comemorar nenhum gol do Corinthians na Série B como se fosse realmente importante. Nada feito pela equipe do empresário Carlos Leite e do treinador Mano Menezes me empolga. Este ano de 2008 serviu apenas para o corintiano ver que o clube é capaz de reagir --chegar à final da Copa do Brasil meses depois de ser rebaixado não é pouca coisa-- e para aprovar o estatuto que prevê eleições diretas no ano que vem.

Mas a tal dificuldade da Série B passou bem longe. E não é só porque o Corinthians montou um time mais ou menos, que chegaria tranquilamente à Sul-americana se estivesse na elite do futebol brasileiro. É também porque o nível do campeonato é muito, muito ruim. Não há um adversário sequer que enfrente o alvinegro pensando na vitória. Nenhumzinho. É todo mundo fechado atrás, esperando a sorte de um contra-golpe. E nada mais.

Para os rivais paulistas, não ter o Corinthians na elite é tão ruim quanto é para os corintianos. Nenhum outro clube desperta tanto amor e tanto ódio por estas bandas e mesmo que Palmeiras e São Paulo já se estranhem há algum tempo, o que gera mais tensão quando os dois se pegam, não há como negar que a grandeza do alviverde e do tricolor também depende de enfrentar o time do povo.

A não ser que o Palmeiras seja campeão brasileiro, o São Paulo se classifique epicamente para a Copa Libertadores ou o Santos seja rebaixado, esta temporada terá sido também um grande desperdício de tempo para os adversários corintianos.

Que assim seja!

Até porque para mim o ano futeboleiro já acabou há meses, na Ilha do Retiro. A companhia de palmeirenses, são-paulinos e santistas na avaliação de um ano bastante inútil será muito bem-vinda.

Vem logo, 2009!

sábado, 13 de setembro de 2008

Pequenices que não ia contar no blog

Achei que os caros leitores me tomariam por maluco ou mentiroso se contasse esses pequenos causos de viagem. Antes pensei em não citá-los. Mas como estou em casa neste sábado à noite, vamos lá.

1 - Meu celular chinês desapareceu um dia em Pequim e logo pensei em lamentar um eventual roubo para as autoridades locais. Dizem que é comum por lá afanarem celulares e bicicletas. Pois no fim do mesmo dia um hotel telefona para um amigo e informa que estão com o aparelho. E não tinha sido gasto nenhum centavo do crédito de aproximadamente 30 reais. Ainda ganhei um bolinho de chocolate durante a espera para receber o celular de volta.

2 - Jornalistas de veículos do governo chinês garantem que têm de lidar com uma cláusula contratual segundo a qual ganham menos a cada vez em que saem da redação para fazer alguma reportagem. O que será que Karl Marx acharia dessa liberdade de imprensa?

3 - Estava eu já em Paris à beira de um riacho na zona norte da cidade quando aparece um senegalês completamente bêbado. No meu francês escargótico, começamos a conversar sobre a situação dos imigrantes na França e sobre o Brasil. Ele diz que seu nome tem relação com estas bandas --mesmo sem saber exatamente do que se trata. O negão, com cabelo black power, se chama Samba.

4 - Metrô parisiense, horas antes de voltar ao Brasil. Estou perto da porta de saída do veículo quando entra um casal de brasileiros. Eles me contam que moravam em São Paulo. Assim como eu, moravam no bairro do Ipiranga. Assim como eu, moravam na rua Arcipreste Andrade. Assim como eu, moravam em uma vila. Assustados, paramos de perguntar mais detalhes e logo eu desci do trem.

5 - Os músicos do Pato Fu viajaram no mesmo avião que eu para São Paulo. E, até onde vi, absolutamente ninguém os reconheceu.

O mundo realmente dá muitas voltas.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

História de um repórter acidental em Pequim

Estudei em escola pública de periferia toda a minha vida. Minha mãe, filha de um matador de aluguel da região Centro-Oeste, foi faxineira, manicure e corretora de imóveis. Hoje ajuda a administrar uma loja no centro de São Paulo.

Meus amigos de infância têm profissões como mecânico, cobrador de ônibus e um, que se deu bem, virou agente de viagens. Outro ainda está patinando, passou alguns anos preso. Há quatro anos apenas eu e um colega não tínhamos celular numa turma de 45 pessoas na faculdade. Fiz minha primeira viagem de avião em 2006, aos 25 anos, dez anos depois de ir pela primeira vez ao cinema, a bordo de uma Brasília azul piscina bem arrebentada.

Você que chegou até aqui deve estar com a mesma dúvida que eu: como diabos consegui cobrir os Jogos Olímpicos de Pequim?

Também não sei direito, mas vou tentar explicar.

Escolhi a carreira de jornalista aos 10 anos de idade, após ver um tio repórter policial sair de casa de madrugada e voltar só no fim da tarde, cheio de causos. Era aquilo que eu queria fazer. E já naquela época eu queria mesmo é ter histórias sobre os Jogos Olímpicos –resultado de várias aulas perdidas para assistir na TV aos Jogos de Barcelona, em 1992.

Quem conta com poucos recursos se esforça para ser mais objetivo na vida. Por isso meus familiares logo recomendaram que eu estudasse inglês para um dia lecionar e pagar para conquistar o diploma de jornalista. E assim aconteceu. Em 2002, fui aprovado na Faculdade Cásper Líbero. Já no primeiro ano, novos amigos brincavam com o objetivo comum de cobrir os Jogos de Pequim. Eu achava bastante improvável. E assim pensei até o fim de 2007.

Um dos meus bons amigos foi chamado a trabalhar na rádio estatal chinesa. Quando ele me convidou para ir à China durante o período olímpico, aceitei sem titubear. Reservei a maior parte das economias feitas em dois anos e empenhei. Não me importei em manter o meu emprego, nem com o gasto levemente acima das minhas capacidades. Fazer jornalismo em um lugar tão cheio de complexidades me parecia mais valioso e recompensador.

E certamente foi.

Paguei pela passagem, providenciei a estadia com meu amigo, tirei minhas folgas acumuladas e férias e ganhei a autorização do chefe de onde trabalho para fazer freelances. Uma arquitetura nada fácil e que, com justiça, foi cercada de desconfiança. Ainda mais porque iria a Pequim sem uma única credencial –que também serve de visto de permanência no país.

Por conta disso, não houve escolha: já que a ditadura chinesa endureceu a concessão de vistos de jornalista, tirei visto de turista. Foi um mês e meio com constante medo de ser vigiado, espionado, seguido e, quem sabe?, deportado por estar cumprindo o dever moral de reportar tudo que pudesse sobre um lugar onde o governo ainda não tolera qualquer crítica vinda da imprensa. E fazer isso sem prejudicar os amigos que vivem aqui.

Até por minha segurança, poucas vezes me identifiquei como jornalista em Pequim. Quando a polícia veio me levar para passear –estava com o visto expirado--, afirmei ser professor e tradutor. Não deixa de ser verdade. Mas só pude ficar mais à vontade a respeito da minha profissão quando conversava com estrangeiros, nunca com chineses. Nas vezes em que precisei conversar com locais, fiz uso de intermediários: colegas que falavam o idioma ou que contassem com a credencial. Nenhuma vez usei os nomes verdadeiros dos entrevistados –nunca se sabe o que pode acontecer com eles, me recomendaram jornalistas que trabalham aqui.

Depois de trabalhar diante dessas dificuldades –sem falar na impossibilidade da comunicação no idioma local, o que é uma barreira enorme--, saio da China com a sensação de trabalho feito, mas de dever não cumprido. Por mais que cobrir as Olimpíadas seja um sonho realizado, principalmente para alguém com um histórico como o meu, muitas histórias se perderam neste momento em que a China esteve mais aberta do que nunca.

Não consegui contar nenhuma história de mecânico, de cobrador de ônibus e, até dos que se deram bem, como os agentes de viagem, iguais aos meus amigos de infância. É também para contar histórias como as deles que quis me tornar jornalista.

Saio da China tendo escrito 24 reportagens ao todo, para quatro veículos diferentes, sem falar nos inúmeros textos para este blog. Mas nada que contasse quem são as pessoas daqui e por que elas vivem desse jeito. O pior é que sinceramente não sei se teria sido melhor ter coberto o evento com um crachá no pescoço, perdido na Ilha da Fantasia do Olympic Green.

O que me alivia é o fato de que eu realmente tentei. Quase que por militância, vim até a China porque gosto de fazer jornalismo. Algumas pessoas que vivem aqui até agora não entendem o motivo de eu ficar tão irritado por estas bandas. E a razão é que eu quero continuar fazendo reportagem, pelo resto da vida se possível.

E hoje, dia em que finalmente pego meu vôo para deixar esta maluquice de China, deixo aqui o agradecimento às pessoas que viabilizaram essa minha aventura.

Ao amigo Felipe Corazza, pelo convite e por me abrigar em sua casa apesar dos óbvios riscos, e à sua noiva, Ana Torres, por me receber.

Ao amigo Victor Boyadjian, pois sem ele não teria trabalhado nem aproveitado a experiência tanto quanto aproveitei.

À minha família, minha namorada e meus amigos, já que sem o apoio deles não teria nem pensado em vir.

Ao Paulinho, outro apaixonado por essa profissão e que divulgou meu trabalho em seu digno espaço na Internet.

E aos colegas da Reuters, que confiaram nos meus esforços e me ajudaram nessa empreitada.

Não teria conseguido nada se não fosse por vocês.

Ainda é só o começo!

Rumo a Paris, para uma merecida semana de férias.

A bientôt!

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Olha só quem voltou a Pequim

Faltam só três dias para eu ir embora. E apenas agora, a quatro dias da abertura das Paraolimpíadas, vi mendigos andarem pela capital chinesa. Como toda sede de Olimpíadas, Pequim expulsou os seus pedintes semanas antes da abertura. Apesar das restrições para entrada na cidade e para ficar na rua esmolando, eles retornaram.

Também voltaram os jovens vestidos com roupas militares de camuflagem. Durante os Jogos só vi um deles, sempre o mesmo, perto do hotel ontem ficava o espaço do Comitê Olímpico Brasileiro em Pequim. Agora são montes.

Um amigo que vive aqui suspeita que eles sejam alguns dos tais paramilitares que fazem serviços pouco adequados para as tropas oficiais. Aqueles serviços que envolvem segurar a onda do pessoal de Taubaté (região cheia de monges budistas).

Faz sentido.

A ausência sentida nesses dias é a da poluição. Desde domingo dá para ver o horizonte sem nenhuma nuvem de nevoa nem de carvão --é movida a esse combustível que a China acelera sua economia em 10 por cento ao ano. Tudo bem, logo a poluição volta para se juntar à festa e encurtar o tempo de vida de quem vive por aqui.

Os picos de poluição de Pequim podem ser três vezes superiores aos picos de São Paulo, segundo dados oficiais. Três vezes mais.

Me faltam três dias aqui.

Estou me sentindo no fim de uma longa maratona. Mas estou tão desorientado que nem sei em que posição da prova eu estou.

Falta pouco, vamos lá.

domingo, 31 de agosto de 2008

Oposição ainda sem rumo

Acompanhando de longe, só dá para achar graça na ameaça do presidente dos Democratas, deputado Rodrigo Maia, de pedir o impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva porque ele recebeu informes montados pela Abin com material obtido em escutas ilegais --um incidente absolutamente inaceitável.

É indiscutível a gravidade de o presidente da mais alta corte do país ter tido telefones grampeados por um órgão subordinado à Presidência, mas parece casuísmo pesado saltar de uma coisa para a outra no momento em que a oposição parece próxima de tomar uma surra nas eleições municipais.

A mais importante eleição do país, a de São Paulo, pode estar indo para as cucuias. No Rio de Janeiro a disputa é entre candidatos de partidos da base do governo. Em Belo Horizonte o PSDB teve de endossar o candidato da aliança PSB-PT sem participar oficialmente da chapa. E por aí vai...

Sem contar que eleições municipais adiantam tendências, sim.

Em 1989, quando Lula chegou ao segundo turno contra Fernando Collor, tinha o espólio da vitória de Luiza Erundina na capital paulista.

Em 1994, ele foi batido por Fernando Henrique Cardoso dois anos depois de os pleitos municipais mostrarem que o petismo não foi um herdeiro natural do fim da República de Alagoas.

Em 1996, os tucanos surfaram no governo FHC e no Plano Real. Em 2000, o PT venceu em várias cidades importantes, principalmente em São Paulo, para pouco em seguida levar Lula ao Palácio do Planalto.

Nas eleições municipais de 2004, o governo Lula se viu desgastado e perdeu boa parte do que ganhara quatro anos antes. Reelegeu-se apenas no segundo turno em 2006.

Se eu militasse na oposição, ficaria desesperado com essa análise.

Enquanto surgem as bravatas de impeachment que não se sustentam por uma mísera semana, o oficialismo se fortalece e deixa os rivais sem discurso. E não é necessariamente por administrar direito, mas também por falta de crédito e de tato da oposição, que grita impeachment como quem diz o nome do time de coração.

Quando Rodrigo Maia repete que o atual governo faz mal à democracia brasileira quando age, como nesse caso, de maneira tolerante para com práticas ilegais nele engendradas, me pergunto se o nobre deputado também não nos faz mal por ajudar a comandar uma oposição tão fraquinha e sem rumo.

E ela assim é apenas por um motivo: no fundamental, governo e oposição concordam em quase tudo. No fim das contas, Maia e os outros estão apenas se preparando para o revezamento de cargos. Ao que parece, a oposição já abriu mão da vez neste ano e em 2010.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Eu prefiro que os EUA liderem

Já na parte final da minha experiência em um país comunista, acordei na manhã de sexta-feira para assistir pela Internet ao discurso em que Barack Obama aceitou ser candidato à Casa Branca pelo Partido Democrata. Não tem como não se emocionar.

Ver um estádio cheio de gente jovem e empolgada com as possibilidades da democracia representativa, como em Denver, reforçou a minha fé de que o modelo chinês não é alternativa.

E nunca, nunca será.

Nas últimas semanas conversei com alguns americanos que se preocupam mais em fazer parte da elite intelectual global do que em arrotar como os iuessei despertam a inveja do mundo por serem tão sensacionalmente sensacionais.

Todos esses se mostraram um tanto envergonhados pelos oito anos do governo Bush e, principalmente os mais velhos, contaram que nunca foi tão difícil ser um americano vivendo no exterior.

Quando alguns deles me perguntaram sobre o que eu pensava sobre os EUA, respondi que se estivesse vivo na Segunda Guerra Mundial, preferiria a vitória deles. Se estivesse vivo no auge da Guerra Fria, preferiria a vitória deles. E se vierem a enfrentar a China, seja como for, ainda prefiro a vitória deles. Sem medo de ser feliz.

Sou pró-americano também por falta de opção.

Porque os Estados Unidos pelo menos não te executam nem te mandam para campos de trabalhos forçados se você protestar contra as atrocidades de Guantánamo e de Abu Ghraib, contra a poluição e o consumismo desmesurados por lá, contra o racismo e a intolerância religiosa por aquelas bandas e por aí vai.

E além disso, eles também são capazes de botar um negão com chances reais de conquistar a Casa Branca 40 anos após Martin Luther King dizer que tinha o sonho de um dia as pessoas serem julgadas não pela cor da pele, mas sim pela firmeza do caráter.

Uma sociedade que muda e que respeita mudanças.

Se os EUA não forem adiante com esse tipo de postura, que zela minimamente pelas nossas liberdades individuais, quem irá?

Que eles sigam adiante.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Pequim merecia só as Paraolimpíadas

O ex-presidente do Comitê Olímpico Internacional Juan Antonio Samaranch é conhecido não apenas pela atuação e pela longevidade ricardoteixerescas à frente da organização do maior evento do esporte mundial, mas também por ter sido um grande colaborador do ditador espanhol Francisco Franco --que o Diabo o guarde. É sem dúvida um homem que gosta de quem exerce sua força. Talvez por isso seja ídolo na China desde 2001, quando anunciou Pequim como sede dos Jogo$ de 2008. É um quase chinês.

Depois de ver que os chineses organizaram um evento seguro e tecnicamente bem armado, Samaranch arrotou sua antiga confiança no governo central, tadinho, tão atacado pela mídia ocidental malvada, por conta das limitações impostas aos jornalistas --atenuadas durante os Jogos-- e à realização de protestos, muitas vezes punidos com deportação para os estrangeiros e até prisão para chineses. (fora o que a gente desconhece)

O mundo, disse ele na TV estatal, viu como a China merecia receber as Olimpíadas, e como fez um evento grandioso e blá blá blá.

Eu discordo. Mas acho que Pequim e a China mereceram e provavelmente continuarão merecendo as Paraolimpíadas.

Menor atenção internacional, menos responsabilidade e organizadas em um lugar que trata bem os seus deficientes. Sinais, calçadas, cardápios, comunicações e quase tudo em que pude pensar garantem a acessibilidade de cegos, surdos, mudos, paralíticos, portadores de distúrbios mentais e botafoguenses.

As sinalizações para cegos até machucam os pés de quem anda na calçada, quase sempre tropeçando em uma infinita faixa amarela salteada. Na TV muitas vezes não deu para acompanhar 100 por cento um evento olímpico porque legendas em chinês corriam o tempo inteiro para os surdos. Quem mora perto de avenidas importantes sofre com os sinais fazendo barulho a noite inteira.

Melhor assim.

A China tem pancadas de problemas, mas me parece que trata esses caras com respeito, pelo menos na capital --nunca se sabe o que pais insatisfeitos do interior fazem com crianças que tenham necessidades especiais, mas é fato que o governo não as pune se tiverem mais um filho caso o primeiro venha com essa condição.

Na próxima vez que uma cidade chinesa se candidatar a receber os Jogos Olímpicos --sim, haverá outras tentativas e, quiçá, novo êxito-- faço essa sugestão ao sucessor do tio Samaranch. Deixem só as Paraolimpíadas por aqui. Elas serão bem-vindas e merecidas.

Mas com a outra coisa, a que surgiu na Grécia, não.

Porque nem a Espanha do Franco mereceu tanta colher de chá.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Dando uma volta com a polícia

Acordei nesta quarta-feira com um policial batendo à minha porta. Em um inglês sofrível, disse que eu precisava comparecer à delegacia para tratar do meu visto. Na verdade eu deveria ter ido no dia anterior, mas uma pizza na noite de segunda-feira me impediu de sair de casa o dia inteiro. Eu tinha 15 minutos para me ajeitar.

Fiz isso e caminhei com o guardinha, que se mostrou simpático depois de saber que eu sou do Brasil. "Furebor!", esclamou ele. Entrei no clima e falei da vitória da China no quadro geral de medalhas. Ele não entendeu pica e somou um "verrry gouda" para se repetir na conversa sobre o esporte bretão praticado pelos brasileiros.

Chegando à delegacia, o chefe dos guardinhas me recebeu. Ele é o único policial que fala inglês razoavelmente no bairro onde estou. Expliquei a situação, mostrando também que sentia muito por não ter resolvido o problema antes. Diante de outros colegas, me tratou com formalidade e pediu para eu voltar quatro horas depois.

Ainda baqueado pela pizza --comida chinesa é feita a altas temperaturas que matam micróbios e as pizzas, não--, voltei à delegacia. E o guardinha disse que por norma chinesa eu teria de ir na viatura de polícia até a imigração. Um Santana bem decrépito, ao contrário dos carros bonitos que se vê nas polícias de distritos mais cheios de gringos e endinheirados.

No caminho, o guardinha quer saber tudo sobre o Brasil. Quer saber o que eu acho sobre a China. Quer saber sobre minha namorada e sobre as mulheres brasileiras. Depois ele conta da vida dele, formado em engenharia, mas policial por causa da emoção. É o máximo que ele se permite explicar. Para não falar muito mais, ele me oferece uma garrafa de chá verde das várias que carrega na viatura. É bom para o estômago, diz ele, casado com uma artista plástica que é viciada em chá e que o ajuda a praticar inglês em casa.

Chegando à imigração, ele me pergunta se tenho dinheiro. Digo que não e começo a achar que o cara ia pedir uma propina para resolver a situação. Mas não era nada disso. Ele queria saber se eu tinha dinheiro para pagar a multa de 300 iuans para quem tem o visto expirado. O guardinha conversa com dois agentes e, zap, em três minutos está resolvida uma situação que me tomou pelo menos duas tardes inteiras, no sábado e na segunda-feira.

E eu não pago nenhuma multa.

Normalmente eu pagaria a multa e ficaria umas boas horas ali. Mas o exemplo do guardinha me lembrou de algo que um colega daqui contou: os chineses também dão jeitinho. Não com a malemolência brasileira, mas dão. No fim das contas, pessoas são pessoas. E nenhum regime repressivo consegue mudar isso.

Nem com as mais de 50 câmaras que contei naquele lugar, conseguiram barrar uma iniciativa livre.

Sorte minha.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Para correspondentes, Olimpíadas mudam pouco para imprensa na China

Maurício Savarese, especial de Pequim para o Comunique-se

Os correspondentes em Pequim dos mais importantes jornais brasileiros avaliam que a realização dos Jogos Olímpicos pela China pouco vai alterar a postura rígida do governo para com a mídia estrangeira em curto prazo, depois de dezenas de casos reportados sobre interferência estatal na cobertura jornalística durante o período do evento.

Para eles, apesar de uma relativa abertura à imprensa internacional ao longo das últimas semanas, a China manteve a grande maioria das limitações ao trabalho jornalístico sem que a organização do evento esportivo mais importante do mundo sofresse grande prejuízo.

"No curto prazo não vai mudar nada. Até porque os jornalistas que vieram tiveram basicamente os problemas de qualquer grande cobertura. No que interessa, na China real, as Olimpíadas mudaram pouco, com algum acesso a mais a sites antes proibidos. Mas o resto ficou do mesmo jeito", disse o jornalista Gilberto Scofield Jr, correspondente do diário O Globo na capital chinesa.

"Quem esteve no espaço olímpico apenas viu uma ilha da fantasia. A China real estava aqui fora e muita gente da imprensa não viu. O governo pode acabar achando que no fim das contas valeu a pena continuar as coisas como sempre fazem. Se forem mudar alguma coisa em favor de mais liberdade de imprensa, vai demorar", afirmou ele, que vive no país há quatro anos.

Em sua segunda passagem pela China, a jornalista Cláudia Trevisan, correspondente do diário O Estado de S.Paulo, avalia que a China pode fazer um movimento parecido com o da cobertura do terremoto em Sichuan, em maio deste ano, no qual morreram quase 90 mil pessoas, segundo dados extra-oficiais.

"Primeiro tivemos um momento de mais liberdade, no qual o Partido Comunista queria mostrar que estava dando uma resposta rápida ao desastre. Depois, quando fomos buscar as histórias das escolas mal construídas que desabaram e mataram centenas de crianças, começamos a enfrentar problemas. Eles fazem esses movimentos de abertura e fechamento com alguma freqüência", afirma.

Para ela, o sucesso dos Jogos no país ajuda a legitimar o regime comunista e pode tornar ainda mais demorado um processo de maior abertura da China para a mídia estrangeira.

"Eles muitas vezes invocam a história milenar do país para justificar o tempo com que algumas decisões são tomadas. Eles levaram tempo para que os jornalistas estrangeiros tivessem um pouco mais de possibilidade de entrevistar pessoas do campo, por exemplo. Antes era só com autorização expressa. Talvez as Olimpíadas façam com que isso se mantenha, mas ainda é difícil saber como o governo, mais popular do que nunca, vai lidar com isso."

Para o correspondente da Folha de S.Paulo em Pequim, Raul Juste Lores, a cobertura dos Jogos foi positiva para a China, apesar das reportagens mais negativas para o país na mídia ocidental. E exatamente por isso, o país comunista pode manter restrições como intimidação de fontes e destruição de material jornalístico e tolerar a violência de paramilitares contra repórteres que estejam em alguma cobertura que contrarie os interesses do Politburo.

"Das duas uma: ou eles vão pensar que a mídia internacional não morde, que pode vir aqui e não incomodar tanto, ou eles resolvem manter exatamente como está, já que puderam realizar um evento internacional sem terem de mudar muita coisa no trato", disse ele, que está na capital chinesa desde o início do ano.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Fora da ilha da fantasia

Para quem cobriu os Jogos Olímpicos no Green, Pequim é um sonho de lugar, bem organizado, prestativo e merecedor de todos os aplausos pelo sucesso de público que conduziu entre 8 e 24 de agosto. Para quem está fora e fez uma cobertura alternativa do maior evento do esporte mundial, a capital chinesa é apenas onde você toma na cabeça sem parar, tendo sua liberdade vigiada por espiões em todo lugar ou sendo barrado pela estúpida e comunista burocracia local, sem nenhuma regra clara.

Quando o tio Jacques Rogge, presidente do Comitê Olímpico Internacional, seguiu a tradição de decretar as Olimpíadas de Pequim como as melhores da história, me lembrei de como foi gostoso andar pelas ruas da cidade recheadas de supostos voluntários vinculados a várias empresas. Na verdade, eles eram observadores e alguns admitiram acompanhar os estrangeiros nas ruas para garantir sua segurança durante a estada na sede dos Jogos.

Ah, claro, segurança. Obrigado, voluntários!

Lembrei também do perrengue que outros conhecidos tiveram antes e depois de agosto para renovar uma porcaria de visto por alguns dias. Uns pagaram multa, outros tiveram a saída acelerada e alguns rumaram a outras cidades durante os Jogos. Agora sou eu quem precisaria renovar o visto, mas o governo chinês quer que me dane.

Minha volta está marcada para o dia 5 e meu visto --de turista-- venceu no sábado. Eles dão dez dias de lambuja, mas meu bilhete conta 13 dias depois de expirado o visto. Sinal de que vou receber a visita de policiais em casa dizendo que tenho prazo para deixar a China e que, possivelmente, pague uma multa.

Muito mais fácil seria renovar a porcaria, não?

Não aqui.

No sábado fui à imigração e me disseram que eu precisaria abrir uma conta chinesa e fazer um depósito de 100 dólares para cada dia que ficasse aqui até o meu vôo. Eles seguram essa grana para comprovar que você tem meios de ficar aqui e dias depois devolvem, provavelmente depois de fazer a grana girar. Sem condição de fazer isso, mandaram eu voltar na segunda-feira.

Fui ao banco onde tenho conta bancária, o HSBC, cujo nome quer dizer Hong Kong Shanghai Banking Corporation, mas apesar de ser uma empresa chinesa com presença internacional os figuras não podem me dar um documento que comprove que tenho a droga do dinheiro para ansiosamente esperar o avião que me tirará daqui.

Resolvo voltar à imigração para ver se depois do fim dos Jogos se esquecem dessa regra idiota do depósito --que costumava ser aplicada para a segunda renovação, e não para algo simples como o meu caso. Chegando lá a atendente não fala nada sobre depósito. Mas pede que eu atualize um registro na polícia do bairro onde estou para me dar autorização para ficar os dias a mais.

Chego à delegacia, 40 minutos depois, e a escrivã não fala pica de inglês. Meu amigo Victor, fluente em chinês, conversa com a tia. Ela diz que não pode atualizar o meu documento se não tiver o visto. O mesmo visto que me foi negado pela imigração, que hora antes disse que para eu recebê-lo preciso de atualização do cadastro da polícia.

Viram que coisa linda?

A ajuda que ganhei foram 30 minutos de espera e um pedaço de papel com um pedido --em chinês-- para eu ir a um lugar que desconheço na manhã de terça-feira onde resolveriam meu problema. A tia, no entanto, não soube dizer se eu precisaria pagar para isso. Ah, claro. Resolver o meu problema.

Faltei e cá estou esperando a polícia bater na porta. Pelo menos um dos guardas fala inglês. Esse é o mundo de quem não tem credencial.

Tudo bem, é do jogo. Fui eu quem decidiu vir, mesmo sem ajuda.

Mas se alguém vier me falar de como o comunismo é bacana quando eu voltar, já aviso que vou dar porrada. Não dá para ter bom senso com quem defende ditadura que vigia e cria regras vagas só para pegar no pé de estrangeiro que aparece aqui.

Já chamo minha passagem de volta de "Passaporte da Alegria".

domingo, 24 de agosto de 2008

"Come on, it's the Olympics!"

Esse foi o mote da minha última noite de Olimpíadas de Pequim, fornecido por um ex-atleta americano. Estavamos eu, ele e outras dezenas de pessoas tentando assistir à cerimônia de encerramento dos Jogos no telão gigante de um hotel sete estrelas que fica ao lado do Cubo de Água. Sentados na calçada, sem impor nenhum risco de segurança. Apenas querendo aproveitar mais a experiência de conversar com gente do mundo todo.

Eis que pouco depois dos primeiros fogos de artifício surgem algumas dezenas de políciais para remover a tigrada do lugar. Ninguém se conformou. Vários chineses batem-boca com os home, que não querem nem saber de vagabundagem olímpica. Todo mundo circulando. Menos o americano, um negão de alguma idade, com trancinhas rasta tingidas de branco e sorriso fácil.

Surge o primeiro "Come on, it's the Olympics!". Os policiais parecem entender o que ele quer dizer. Uns olham para baixo e continuam afastando o povaréu. E o americano, que me disse se chamar Pereira --mãe portuguesa--, não se mexe. Os home insistem, mas Pereira nem dá bola. It's the Olympics e em outros Jogos a que já foi, ele viu a cerimônia de encerramento do lado de fora do estádio.

Ele me contou que esteve em todas elas desde 1972, quando teria competido na equipe de atletismo do revezamento 4 x 100 dos Estados Unidos. Me mostra a credencial de treinador e fuzila: os Jogos de Pequim foram os piores em que ele esteve.

"Deve ter sido bom para quem está lá dentro, mas para mim foi péssimo. É tudo de plástico. Onde está a humanidade do maior show do mundo? Não teve humanidade de verdade nos Jogos de Pequim. Não tem espaço para todo mundo, só para quem tem ingresso. Eles não entendem nada do espírito olímpico neste país", diz ele, ainda parado e com policiais insistindo para ele tomar o rumo de casa.

Enquanto eu penso no que diz o velho Pereira, chegam três chinesas esbaforidas. Uma menina, a mãe e a avó. Os polciais dizem a elas que não podem seguir ali para ver a cerimônia de abertura. A mãe começa a bater boca com o chefe dos guardas e o clima fica tenso. Depois de dois minutos, a mulher rompe em choro.

A filha a acompanha e todos, chineses e estrangeiros, civis e policiais, respeitam. Mas a decisão vem de cima e já está tomada.

Um democrático "pra fora, cambada".

Tudo que eu consigo fazer é esperar a senhora terminar de chorar e dar um tapinha camarada nas costas dela, já sem nenhuma vontade de ver a tal cerimônia.

Ficou ainda mais melancólico enquanto eu andava para mais longe --o americano aparentemente ficou ali até cansar os policiais, que não afastaram ninguém à força. Eu ia passando pelas ruas e via moleques correndo para perto do estádio para assistir no telão e moças vestindo suas melhores roupas para o evento histórico.

Parei em um bar para assitir à cena e minutos depois que essas pessoas passavam, voltavam, cabisbaixas ou em silêncio.

Nada daquilo é para elas.

Lembrei dos relatos sobre o clima alegre de outras Olimpíadas. Gente nas ruas o tempo todo, fogos de artifício, emoção genuina e liberdade. Em Pequim, vi muito pouco disso.

Adoro os Jogos Olímpicos desde os sete anos de idade. E, pela primeira vez em uma cidade sede, nunca vi tão pouco do evento esportivo que mais gosto. Na TV só deu para ver atleta chinês. Nos ginásios, conseguir ingresso era um inferno. E no último dia, o governo não permitiu às pessoas sequer assistir à porcaria de cerimônia perto do estádio Olímpico. Proibiu até o telão.

Poderia ter sido tão simples e belo. Poderia ter sido mais humano. Porque, afinal das contas, são as Olimpíadas, que reúnem quase todos os países do mundo apenas de quatro em quatro anos.

Pena que a China não sabia. Vou ter de esperar até 2012.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A Holanda é um país legal

E a Holland House, espaço aberto pelo comitê olímpico holandês em Pequim, também é. Ao contrário da ilha da fantasia do Olympic Green, nesse lugar os sorrisos dos atendentes nunca parecem promovidos pelo governo, as pessoas se sentem livres o suficiente até para usar maconha com moderação e existe senso de humor.

Não poderia esperar menos de uma equipe que escolhe a espalhafatosa cor laranja, da família real, para disputar as competições esportivas.

Mas o melhor dos holandeses é a tranquilidade para conversar sobre qualquer assunto. Uma característica bem pouco chinesa.

Vi holandeses falando em inglês do que os chineses chamam de "incidente de 1989 na Praça da Paz Celestial", política norte-americana, commodities, descriminalização das drogas, tentativa de receber a Copa do Mundo em 2018, crescimento da direita nos países europeus e por aí vai. Tudo sem parecerem ranzinzas ou desesperançosos e achando tempo para dançar e beber.

Até sobre o Corinthians os caras falaram. Estava parado com minha camiseta roxa e um grupo de holandeses e escoceses se aproximou dizendo "Carlos Tevez"! Minutos depois, comentaram sobre algumas das falcatruas da MSI e, assim como os escoceses, demonstraram medo pela Copa do Mundo no Brasil em 2014, apesar de estarem se planejando para ir à África do Sul. Eles lêem.

A animação não deve nada para as melhores festas tupiniquins.

No mesmo dia a seleção holandesa feminina de hóquei tinha batido a China na disputa pelo ouro e foi comemorar ali. As moças, quase todas muito bonitas, mergulharam por cima do povaréu e foram carregadas ao som de "We Are the Champions" e de umas músicas holandesas cujo nome não me atrevo a escrever.

Dezenas de pessoas bateram bola no "Ping-Pong Paradise", outras tantas usavam bexigas para brincar no meio da festa e várias bandas se revezavam no palco com um som bem feliz que lembrava polca --espero que essa comparação não faça a nobre amiga Stijntje Blackendaal colocar veneno no meu prato de macarrão com abobrinha quando eu voltar.

Do lado de fora da balada, as banquinhas de quitutes das terras baixas vendiam a um preço razoável quilos e quilos de batatas fritas com maionese e de um croquete sensacional, que serviu para um holandês se empolgar aos gritos moderados de "Free Croquette!" A cara dele não era exatamente de quem queria comida de graça, mas sim de quem, como eu, acha um saco essa vigilância chinesa.

Não vou me alongar a respeito da beleza do povo que ali estava. Posso dizer que me senti um sapo perto dos homens holandeses, quase todos muito mais bonitos do que eu. E as mulheres, pai do céu nunca vi tantas juntas no mesmo lugar, eram lindas --quase tanto quanto minha bela namorada carioca, que me faz falta demais.

Uma moça brasileira que ali foi outras vezes me disse que o clima é sempre aquele, independentemente de a Holanda ganhar alguma medalha de ouro no dia ou não. Porque, no fundo, os holandeses estão se lixando para quantas medalhas vão ganhar.

A preocupação principal deles, ficou claro para mim, é educar bem o seu povo e manter o espírito razoavelmente livre para esse mundo que ninguém entende direito como funciona.

Por isso tudo que a Holanda é um país bem legal.

E o que não for legal, eles já devem estar pensando em descriminalizar. Pena que fique tão longe do Brasil.

Correspondentes na China acusam governo de interferir em mais de 30 reportagens

Maurício Savarese, especial de Pequim para o Comunique-se

O Clube dos Correspondentes Estrangeiros na China acusou o governo chinês de interferir em mais de 30 reportagens desde 25/07, dias antes da abertura dos Jogos de Pequim. Segundo o grupo, os incidentes incluem violência, destruição de material, detenção, constrangimento de fontes, interceptação de comunicações, proibição de acesso a áreas públicas, intimidação por autoridades, repreensão oficial, vigilância e outros obstáculos.

De acordo com o clube (FCCC em inglês), houve dez casos de violência –mais que o total confirmado no ano passado—e oito casos de danos a equipamentos ou destruição de fotos. Mais de 20 casos estão sendo confirmados. Até 20/08 deste ano, o FCCC contou 152 interferências do governo em reportagens –em 2007 foram 160 incidentes.

Os casos reportados incluem a detenção e a tomada de cartões de memória das câmaras de fotógrafos da Associated Press que tentavam cobrir um protesto durante as Olimpíadas, as agressões a um cameraman alemão por voluntários olímpicos pouco depois de ele tentar visitar a esposa de um ativista por direitos humanos e o constrangimento a um fotógrafo da France Press que foi obrigado pela polícia a apagar fotos em Xinjiang –leste do país, onde há um movimento separatista.

"Quem está lá no Olympic Green só vai falar de problemas que acontecem em qualquer grande evento. Mas quem está fora fazendo reportagem sobre os expedientes da China para receber os Jogos Olímpicos está sendo tão reprimido quanto sempre foi", disse o jornalista Gilberto Scofield Jr, há quatro anos correspondente do diário O Globo em Pequim e membro do FCCC.

Os incidentes reportados não incluem uma visita incomum da polícia chinesa ao apartamento de jornalistas do SBT que horas antes tinham baixado pela Internet fotos de uma campanha da Anistia Internacional pelos direitos humanos no país sede da 29ª edição dos Jogos Olímpicos.

Um dos casos mais famosos de interferência durante as Olimpíadas foi o de uma transmissão ao vivo da TV alemã ZDF desde a Muralha da China. Apesar de dezenas de autorizações, os jornalistas que entrevistavam um arqueólogo norte-americano sobre o assunto foram interrompidos por policiais que saltaram diante das câmaras.

Segundo o produtor Johannes Hano, os policiais alegaram que o especialista não era licenciado para tratar do assunto. " Apesar de a interrupção da nossa transmissão ao vivo ser uma pesada interferência, ela é apenas a ponta do iceberg do que vivemos a semana inteira de nossas planejadas transmissões ao vivo na China", afirmou.

A ZDF, uma das retransmissoras oficiais dos Jogos, fez um protesto formal ao Ministério das Relações Exteriores, mas não recebeu nenhuma resposta oficial, segundo um outro funcionário da TV alemã.