quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Tarso errou (mesmo) com Batistti

Depois de colunas, reportagens, diplomatas revoltados, defensores dos direitos humanos ponderados, formei meu juízo sobre o caso da concessão de refúgio ao italiano Cesare Battisti a partir de uma tripinha na Folha de S.Paulo desta quarta-feira. Segundo o jornal, a França, que também deu abrigo ao rapaz, justificou a concessão do mesmo benefício a Marina Petrella, ex-militante das violentíssimas Brigadas Vermelhas, apontando para a saúde dela.

Já o ministro Tarso Genro preferiu apelar ao "fundado temor de perseguição política" e duvidou da imparcialidade da Justiça italiana ao tomar a decisão em favor de Battisti. Conseguiu com esse detalhe prejudicar uma resolução que seria justa, uma vez que o acusador do italiano nem sequer tem paradeiro conhecido e contou com o benefício da delação premiada para apontar o dedo.

Por mais que insista que a decisão do Brasil foi soberana, é sabido que Tarso não consultou o Itamaraty antes de resolver. E enfiou na cara da Itália e do governo do tosquíssimo Silvio Berlusconi uma justificativa dura, nada diplomática e desnecessária. A França obviamente desconfia das mesmas possibilidades que afligiram o pimpão ministro da Justiça. Mas preferiu se referir às condições de saúde de Petrella, em vez de criar caso por nada. Diante disso, a mesma Itália recuou.

Parece razoável que a mesma decisão soberana que Tarso defende seja acompanhada do tensionamento das relações pela Itália, que viu um ministro de Justiça brasileiro pela primeira vez questionar a justiça dos outros. Molecagem de segunda categoria.

Um bom exemplo de como uma decisão justa pode ser prejudicada por quem não sabe respeitar a soberania alheia.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Dançando com a chuva

Eu moro numa travessa da avenida Nazaré, em São Paulo. Esta região já foi reconhecida como o local mais infestado por revendedoras de automóveis na cidade. Ainda me incomoda o fato de encontrar mais concessionárias por estas bandas do que padarias, farmácias e qualquer coisa que não cobre IPI. Mas realmente não esperava um dia ouvir um relato como o da minha irmã ontem, segundo quem as chuvas pesadas fizeram o Ford Ká da vizinha quase entrar pela janela da minha casa, encravada no fim de uma pequena vila. Até assim a Anfavea afeta a minha vida.

Aliás, obrigado à prefeitura do tio Kassab por se preocupar!

Mudamos para cá em 2003 e nos alertaram que o lugar corria risco de virar um aquário porque havia várias construções ao lado, que acabavam espalhando areia pelos bueiros e entupindo tudo. A primeira vez em que testemunhamos uma quase cheia foi em 2004, o que levou grande parte do bairro a votar contra a prefeita Marta Suplicy que pouco ajudou a resolver o problema do Ipiranga com as chuvas. Ouvi vários dos meus vizinhos reclamarem sobre a falta de ação da prefeitura e concordei plenamente com as críticas.

Eis que cinco anos depois o mesmo lugar foi praticamente arrasado, com ainda mais lama entrando nas casas, e a prefeitura só deu as caras no meio da madrugada para remover umas porcarias da rua. Mas ninguém cobrou o subprefeito nem a prefeitura com a devida veemência. Parece que a falta de planejamento para crises desse tipo que existia há cinco anos se manteve, mas hoje o problema é a natureza, enquanto naquela época era a prefeita. Adoro gente com critérios claros. Enquanto isso vamos aqui dançando com a chuva. Dançando até o chão cheio de lama.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Há fiéis da Renascer que me assustam

Eu tenho dois amigos que frequentam a Igreja Renascer em Cristo. Ao contrário do que muita gente preconceituosa defende por aí, ambos são pessoas muito inteligentes e nada manipuláveis. Nem fazem questão de dizer que frequentam os templos da polêmica entidade para evitar os pré-julgamentos que, certamente, viriam no trabalho, entre os amigos, onde fosse.

Mas eles certamente não se incluem no grupo de fiéis que se propõem a fazer uma marcha contra o Demônio por conta do desabamento da sede mundial da Renascer em São Paulo, onde morreram nove mulheres na semana passada. Um amigo me contou esses dias (não lembro quem, peço perdão pela falta de crédito ao meu informante) que lideranças da igreja justificaram o acidente com uma referência bíblica a Jó, cujos filhos teriam sido soterrados na própria casa dele. E o responsável por isso seria o Coisa-Ruim.

(Só falta eles se confrontarem na marcha da insensatez com um grupo satanista entoando a famosa música "Portão de ferro, cadeado de madeira. Na porta do cemitério encontrei o Exu Caveira".)

Neste domingo de aniversário da capital paulista, o apóstolo Estevam divulgou uma carta na qual diz que o templo "sempre esteve seguro, com toda a sua documentação legal, alvará, manutenções e limpeza. Suas reformas foram feitas dentro das mais rígidas normas de segurança, sob a supervisão de profissionais competentes e cuidadosos, de instituições e empresas reconhecidas".

Não cabe a mim questionar as lideranças máximas da Renascer: esse será o trabalho da Justiça dos homens, dos fiéis e da justiça divina (não sei se ela existe, mas dou o benefício da dúvida). Já viram motivos, sim, para contrariar o que diz apóstolo, que vive em Miami.

Não quero sugerir de qualquer forma que o apóstolo Estevam e a bispa Sônia não se importem com o que aconteceu no templo. Nem sequer duvido da possibilidade de que os líderes da igreja tenham sido enganados. Mas será que a maioria dos fiéis não consegue questionar os responsáveis diretos pela administração da igreja da Lins de Vasconcelos?

Fizeram uma reforma irregular, admitiram o problema apenas depois de pressionados pelo poder público e pelas famílias das vítimas e, em resposta, incentivam a marcha contra o Demônio, como se o Tranca-Rua tivesse sacaneado com a massa corrida e com o estuque da obra obviamente mal feita. Dá um tempo.

Mais do que do poder público, os fiéis da igreja precisam de gente inteligente dentro da própria comunidade, como esses meus dois amigos, para dar o devido peso aos fatos. Eles sabem que minimizar o incidente como se fosse coisa do capeta não ajuda nada. Espero que percebam que o momento que vivem será decisivo para a forma como a sociedade brasileira tratará a sua igreja daqui para a frente. Depois não adianta reclamar. Nem dizer as que eventuais críticas são obra do malvado exército do Belzebu.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

José Auriemo e o Jardim Panorama

Li na revista Exame que a crise ceifou o Brasil de quatro dos seus bilionários. Coisa muito triste. Um deles é José Auriemo, presidente da construtora JHSF. A empresa viu suas ações se desvalorizarem mais de 90% nos últimos 12 meses. Ele e o pai, Fábio, que tinham R$2,2 bilhões cada um, têm hoje R$218,5 milhões, diz a revista. O lucro da empresa cresceu 326% nos nove primeiros meses de 2008. E parte dele veio do projeto imobiliário mais endinheirado de SP.

Quando o PCC terminava sua primeira série de ataques na capital paulista, visitei uma favela às margens do rio Pinheiros chamada Jardim Panorama. Ela fica no pé do shopping Cidade Jardim, o mais caro da América Latina e que esconde atrás prédios caríssimos, onde a cobertura tem o chão do banheiro aquecido para que os ricaços não gelem os pés ao entrar no banheiro.

Posto aqui o texto que escrevi na época.

"Era uma quarta-feira na qual as bolsas de valores em todo o mundo despencavam. Autoridades sanitárias indianas decretavam estado de atenção para evitar suicídios em massa de homens que minutos antes eram milionários. Os investidores globais se desesperavam: fuga em disparada dos títulos de dívida de países emergentes, rumando aos menos arriscados papéis do governo norte-americano. O dólar disparava, deixando atônitos os que não contavam com a turbulência para viajar ao exterior. Para uns, sinal de tempos caóticos. Para os muitos os moradores do Jardim Panorama, uma favela pacífica da zona sul de São Paulo, não fazia a menor diferença. Cagavam e andavam.

Saindo do pé de um morro com poucas casas de alvenaria, perto dos prédios de empresas grandes como Microsoft e Citibank, e tendo acima a área do que será o mais luxuoso condomínio de São Paulo em alguns anos -- a cobertura custará R$ 10 milhões --, a comunidade Real-Panorama, dos habitantes das favelas Jardim Panorama e Real Parque, decidiu convidar a si mesma e partir para a festa dos futuros vizinhos naquela mesma quarta-feira lá no topo da escalada.

(Não que os ricaços tivessem má vontade com aquela gente simples e, por isso, não tivessem mandado belos cartões cobrando-lhe a presença privilegiada na bela comemoração. Na verdade, nem sabiam que o miserê estava tão perto: não havia nenhuma favela na maquete do projeto e o muro de dois metros de altura em torno da propriedade dava conta de esconder o resto.)

Mas qual era o motivo de essas pessoas terem tomado a decisão de aparecer onde não foram chamadas? Não esqueçamos do mercado, que responde a muitas perguntas com uma lógica invejável. Teria algo a ver com as agitações em Wall Street, preocupada com as incertezas sobre as taxas de juros nos Estados Unidos para os próximos meses? Passava perto das inquietações dos índices europeus, que tinham inchado além do razoável devido a resultados bons, mas nem tanto, de empresas do continente? Tem relação com os preços recorde do petróleo, culpa daquele maluco do Irã?

"O problema é que eles levantaram o muro", diz um dos líderes dos moradores. "Cercaram tudo, nem sabem que estamos aqui há décadas. Já levantaram isso faz quase dois anos e só vieram falar com a gente hoje. Mas só vieram porque souberam que a gente ia fazer esse protesto. Queriam evitar, mas não desistimos." Aquele foi o segundo protesto da história da comunidade do Jardim Panorama. O anterior juntou cerca de 50 pessoas, contou outro líder do movimento, contra a transferência de um dentista do posto de saúde da região.

Mas além de protesto, havia também festa! Difícil foi os cerca de 300 moradores chegarem até lá, com os objetivos singelos de serem vistos e ouvidos pelos futuros vizinhos, que já eram entretidos com champagne Möet Chandon e quitutes cujos nomes os mais simplórios habitantes do pé do morro nem conseguiam pronunciar.

Depois de mais de uma hora, mil metros de subida, dois encapuzados armados de fuzil, uma linha de seguranças mal encarados e pelo menos um repórter superfashion, os moradores, enfim, chegaram ao cume da rua Arnaldo Petrella, bem diante do bunker onde acontecia a celebração -- faltava bastante tempo para o showzinho intimista de Caetano Veloso, aquele que já cantou ter nascido para ser Superbacana.

Desses 300 que ali se fizeram ver para os donos de automóveis Mercedes, BMW, Lexus, Land Rover, apenas uma pôde encarar os futuros vizinhos dentro da festa na qual só estavam funcionários e aqueles para quem o bolo brasileiro já cresceu. O nome dela é Karina, tem 19 anos e quer ser advogada:

"É muito difícil vir aqui falar com vocês", disse ela já perto das 23 horas, sem deixar de ouvir o entusiasmo dos companheiros vindo do lado de fora, vencedores do duelo contra o frio e contra o mau humor, mas barrados pela falta de convite.

Leu um texto preparado: era essa a condição para o fim do protesto, para que todos pudessem ouvir. Não havia no papel nenhum pedido especial, nada estranho a quem conhece minimamente as leis, desta ou de outra cidade. Mesmo assim, dentro e fora da pequena fortaleza, houve muitos aplausos no final. Clima de alívio definitivo.

Assim que largou o microfone, Karina fartou-se de docinhos e salgadinhos, oferecidos e aceitos de bom grado.

Sob contrato, Caetano resolveu começar com um verso muito preciso: alguma coisa acontece no coração dele. Não é de se duvidar.

Na festa, os casais se abraçam para ouvir o cantor, talvez sentindo que compartilharam de um orgulho estúpido pelos pobres do país.

A choldra preferiu ir logo embora, pacífica e cantante como ao chegar, já que todo mundo acorda cedo para chacoalhar no ônibus a caminho do trabalho.

Aos seguranças e encapuzados, resta apenas observá-la ao descer o morro que tinha subido à espera de reconhecimento e de dias melhores.

Mas apesar de tudo isso, o mercado decidiu continuar tenso. Não tem jeito: ele é sensível a qualquer mudança brusca. Sem contar que é indiferente a todos os morros. Em especial aos que tentam subir."

Depois de reler esse texto, fiquei pensando se Auriemo corre risco de baixar no Jardim Panorama pra conhecer o lugar de verdade e, quem sabe, ficar por lá mesmo. O capataz da obra disse na época que ele era uma pessoa simpática e de hábitos simples. Pode ser. Ou não pode?

domingo, 18 de janeiro de 2009

A ditadura que os ciclistas querem

(Farei uma adaptação justa, para não colocar no mesmo balaio gente que pode pensar diferente. A crítica que faço é a alguns xiitas que encontrei em dezembro, na rua Augusta, e que tenho visto se manifestar por aí como se ciclovia fosse a única solução para os problemas do transporte público na cidade. Agradeço a todos pelos comentários e, em especial, para as críticas que são justas. Não às bobagens, inclusive a de que na periferia usar bicicleta é importante. Só quem nunca foi até os cafundós da cidade acha que alguém dali pode ir de bicicleta pro trabalho em uma região mais central da cidade. Eu já fui diversas vezes.)

Em vez de mais transporte público, para beneficiar a população toda, mais ciclovias PARA MIM! É isso que querem muitos dos ciclistas que têm se manifestado em São Paulo nos últimos tempos, inclusive com um protesto peladão na Avenida Paulista. Eu não gosto deles. Se você que está lendo o meu blog faz parte desse grupo que acha que ciclovia é mais importante do que transporte público de qualidade, conte com o meu mais absoluto desprezo.

O mais irritante é esses figuras que reclamam da falta de ciclovias na cidade nas áreas mais centrais, com protestos na rua Augusta, na Consolação, usam um tom de indignação babaca típico de quem não está nem aí se faltam ônibus na Cidade Tiradentes ou em São Mateus. Eles existem e quem faz parte do movimento e não vê as coisas assim sabe disso.

Para esses seguidores mais xiitas de Soninha "A Gente Boa" Francine, é importante tirar carros da rua para dar espaço para as bicicletas, e não para ampliar corredores de ônibus e beneficiar a toda a população. São do tipo de gente para quem as políticas públicas só são boas se trazem contrapartidas unicamente para eles próprios. Uns manés. Vão chupar limão.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Tarso Genro errou com "terrorista" Battisti

Se você toma uma decisão que coloca a imprensa, parlamentares e parte da Justiça a favor do governo do Silvio Berlusconi, o Silvio Santos da Itália, é porque cometeu um grande erro. Afinal, Berlusca é um cara de postura e entende de terrorismo.

sábado, 10 de janeiro de 2009

O recado de Israel aos palestinos

Parafraseando ex-governador paulista Orestes Quercia, em meio a um protesto de professores acalmados na porrada, "democracia é muito bom, mas baderna eu não vou permitir". É esse o contexto da declaração repetida de Israel e seus amigos de que o Hamas é o maior inimigo dos palestinos, que elegeram os militantes extremistas para representá-los em Gaza.

O subtexto é "vocês elegeram esses vagabundos em um pleito justo, é verdade. Mas eles não gostam de nós e nós não gostamos deles. Tomem umas bombas aí e fiquem quietos por um tempo. Sabemos que a condenação internacional não vai demorar e vamos aproveitar o máximo para sufocar vocês".

O resultado será mais uma geração de homens-bomba palestinos. E Israel já deve ter medido as consquências que virão antes mesmo de entrar em guerra. Então por que tudo isso?

A resposta pode ter saído de uma declaração do chefe do Estado-Maior do Exército israelense (um cargo decorativo como é no Brasil).Segundo ele, o Hamas fez tudo por merecer e os rivais seculares do Fatah, moderados expulsos de Gaza, só reclamam por reclamar, porque também querem que o Hamas se arrebente para poder voltar à região.

Faz todo sentido para quem vê tudo sob a lógica da guerra. Não faz nenhum para quem enxerga o desperdício de mais uma geração por conta da falta de diálogo entre israelenses e palestinos. Para a maioria, o recado não chegou direito.