domingo, 24 de agosto de 2008

"Come on, it's the Olympics!"

Esse foi o mote da minha última noite de Olimpíadas de Pequim, fornecido por um ex-atleta americano. Estavamos eu, ele e outras dezenas de pessoas tentando assistir à cerimônia de encerramento dos Jogos no telão gigante de um hotel sete estrelas que fica ao lado do Cubo de Água. Sentados na calçada, sem impor nenhum risco de segurança. Apenas querendo aproveitar mais a experiência de conversar com gente do mundo todo.

Eis que pouco depois dos primeiros fogos de artifício surgem algumas dezenas de políciais para remover a tigrada do lugar. Ninguém se conformou. Vários chineses batem-boca com os home, que não querem nem saber de vagabundagem olímpica. Todo mundo circulando. Menos o americano, um negão de alguma idade, com trancinhas rasta tingidas de branco e sorriso fácil.

Surge o primeiro "Come on, it's the Olympics!". Os policiais parecem entender o que ele quer dizer. Uns olham para baixo e continuam afastando o povaréu. E o americano, que me disse se chamar Pereira --mãe portuguesa--, não se mexe. Os home insistem, mas Pereira nem dá bola. It's the Olympics e em outros Jogos a que já foi, ele viu a cerimônia de encerramento do lado de fora do estádio.

Ele me contou que esteve em todas elas desde 1972, quando teria competido na equipe de atletismo do revezamento 4 x 100 dos Estados Unidos. Me mostra a credencial de treinador e fuzila: os Jogos de Pequim foram os piores em que ele esteve.

"Deve ter sido bom para quem está lá dentro, mas para mim foi péssimo. É tudo de plástico. Onde está a humanidade do maior show do mundo? Não teve humanidade de verdade nos Jogos de Pequim. Não tem espaço para todo mundo, só para quem tem ingresso. Eles não entendem nada do espírito olímpico neste país", diz ele, ainda parado e com policiais insistindo para ele tomar o rumo de casa.

Enquanto eu penso no que diz o velho Pereira, chegam três chinesas esbaforidas. Uma menina, a mãe e a avó. Os polciais dizem a elas que não podem seguir ali para ver a cerimônia de abertura. A mãe começa a bater boca com o chefe dos guardas e o clima fica tenso. Depois de dois minutos, a mulher rompe em choro.

A filha a acompanha e todos, chineses e estrangeiros, civis e policiais, respeitam. Mas a decisão vem de cima e já está tomada.

Um democrático "pra fora, cambada".

Tudo que eu consigo fazer é esperar a senhora terminar de chorar e dar um tapinha camarada nas costas dela, já sem nenhuma vontade de ver a tal cerimônia.

Ficou ainda mais melancólico enquanto eu andava para mais longe --o americano aparentemente ficou ali até cansar os policiais, que não afastaram ninguém à força. Eu ia passando pelas ruas e via moleques correndo para perto do estádio para assistir no telão e moças vestindo suas melhores roupas para o evento histórico.

Parei em um bar para assitir à cena e minutos depois que essas pessoas passavam, voltavam, cabisbaixas ou em silêncio.

Nada daquilo é para elas.

Lembrei dos relatos sobre o clima alegre de outras Olimpíadas. Gente nas ruas o tempo todo, fogos de artifício, emoção genuina e liberdade. Em Pequim, vi muito pouco disso.

Adoro os Jogos Olímpicos desde os sete anos de idade. E, pela primeira vez em uma cidade sede, nunca vi tão pouco do evento esportivo que mais gosto. Na TV só deu para ver atleta chinês. Nos ginásios, conseguir ingresso era um inferno. E no último dia, o governo não permitiu às pessoas sequer assistir à porcaria de cerimônia perto do estádio Olímpico. Proibiu até o telão.

Poderia ter sido tão simples e belo. Poderia ter sido mais humano. Porque, afinal das contas, são as Olimpíadas, que reúnem quase todos os países do mundo apenas de quatro em quatro anos.

Pena que a China não sabia. Vou ter de esperar até 2012.

3 comentários:

Unknown disse...

Melada no finalzinho... chato isso...

Anônimo disse...

Primoroso relato, lastimável fato.

Abraços,

- c.a.t.

Anônimo disse...

será que a impressão que ficou por aqui, vendo pela tv, e achou tudo platica e visualmente muito bonito [porém sem atingir o coração] reflete o que aconteceu lá em pequim, apesar dos enviados especiais tentarem nos convencer que foi tudo muito lindo?

ao ler a sua crônica, acredito que foi o que aconteceu.

obrigada por compartilhar!