domingo, 31 de agosto de 2008

Oposição ainda sem rumo

Acompanhando de longe, só dá para achar graça na ameaça do presidente dos Democratas, deputado Rodrigo Maia, de pedir o impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva porque ele recebeu informes montados pela Abin com material obtido em escutas ilegais --um incidente absolutamente inaceitável.

É indiscutível a gravidade de o presidente da mais alta corte do país ter tido telefones grampeados por um órgão subordinado à Presidência, mas parece casuísmo pesado saltar de uma coisa para a outra no momento em que a oposição parece próxima de tomar uma surra nas eleições municipais.

A mais importante eleição do país, a de São Paulo, pode estar indo para as cucuias. No Rio de Janeiro a disputa é entre candidatos de partidos da base do governo. Em Belo Horizonte o PSDB teve de endossar o candidato da aliança PSB-PT sem participar oficialmente da chapa. E por aí vai...

Sem contar que eleições municipais adiantam tendências, sim.

Em 1989, quando Lula chegou ao segundo turno contra Fernando Collor, tinha o espólio da vitória de Luiza Erundina na capital paulista.

Em 1994, ele foi batido por Fernando Henrique Cardoso dois anos depois de os pleitos municipais mostrarem que o petismo não foi um herdeiro natural do fim da República de Alagoas.

Em 1996, os tucanos surfaram no governo FHC e no Plano Real. Em 2000, o PT venceu em várias cidades importantes, principalmente em São Paulo, para pouco em seguida levar Lula ao Palácio do Planalto.

Nas eleições municipais de 2004, o governo Lula se viu desgastado e perdeu boa parte do que ganhara quatro anos antes. Reelegeu-se apenas no segundo turno em 2006.

Se eu militasse na oposição, ficaria desesperado com essa análise.

Enquanto surgem as bravatas de impeachment que não se sustentam por uma mísera semana, o oficialismo se fortalece e deixa os rivais sem discurso. E não é necessariamente por administrar direito, mas também por falta de crédito e de tato da oposição, que grita impeachment como quem diz o nome do time de coração.

Quando Rodrigo Maia repete que o atual governo faz mal à democracia brasileira quando age, como nesse caso, de maneira tolerante para com práticas ilegais nele engendradas, me pergunto se o nobre deputado também não nos faz mal por ajudar a comandar uma oposição tão fraquinha e sem rumo.

E ela assim é apenas por um motivo: no fundamental, governo e oposição concordam em quase tudo. No fim das contas, Maia e os outros estão apenas se preparando para o revezamento de cargos. Ao que parece, a oposição já abriu mão da vez neste ano e em 2010.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Eu prefiro que os EUA liderem

Já na parte final da minha experiência em um país comunista, acordei na manhã de sexta-feira para assistir pela Internet ao discurso em que Barack Obama aceitou ser candidato à Casa Branca pelo Partido Democrata. Não tem como não se emocionar.

Ver um estádio cheio de gente jovem e empolgada com as possibilidades da democracia representativa, como em Denver, reforçou a minha fé de que o modelo chinês não é alternativa.

E nunca, nunca será.

Nas últimas semanas conversei com alguns americanos que se preocupam mais em fazer parte da elite intelectual global do que em arrotar como os iuessei despertam a inveja do mundo por serem tão sensacionalmente sensacionais.

Todos esses se mostraram um tanto envergonhados pelos oito anos do governo Bush e, principalmente os mais velhos, contaram que nunca foi tão difícil ser um americano vivendo no exterior.

Quando alguns deles me perguntaram sobre o que eu pensava sobre os EUA, respondi que se estivesse vivo na Segunda Guerra Mundial, preferiria a vitória deles. Se estivesse vivo no auge da Guerra Fria, preferiria a vitória deles. E se vierem a enfrentar a China, seja como for, ainda prefiro a vitória deles. Sem medo de ser feliz.

Sou pró-americano também por falta de opção.

Porque os Estados Unidos pelo menos não te executam nem te mandam para campos de trabalhos forçados se você protestar contra as atrocidades de Guantánamo e de Abu Ghraib, contra a poluição e o consumismo desmesurados por lá, contra o racismo e a intolerância religiosa por aquelas bandas e por aí vai.

E além disso, eles também são capazes de botar um negão com chances reais de conquistar a Casa Branca 40 anos após Martin Luther King dizer que tinha o sonho de um dia as pessoas serem julgadas não pela cor da pele, mas sim pela firmeza do caráter.

Uma sociedade que muda e que respeita mudanças.

Se os EUA não forem adiante com esse tipo de postura, que zela minimamente pelas nossas liberdades individuais, quem irá?

Que eles sigam adiante.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Pequim merecia só as Paraolimpíadas

O ex-presidente do Comitê Olímpico Internacional Juan Antonio Samaranch é conhecido não apenas pela atuação e pela longevidade ricardoteixerescas à frente da organização do maior evento do esporte mundial, mas também por ter sido um grande colaborador do ditador espanhol Francisco Franco --que o Diabo o guarde. É sem dúvida um homem que gosta de quem exerce sua força. Talvez por isso seja ídolo na China desde 2001, quando anunciou Pequim como sede dos Jogo$ de 2008. É um quase chinês.

Depois de ver que os chineses organizaram um evento seguro e tecnicamente bem armado, Samaranch arrotou sua antiga confiança no governo central, tadinho, tão atacado pela mídia ocidental malvada, por conta das limitações impostas aos jornalistas --atenuadas durante os Jogos-- e à realização de protestos, muitas vezes punidos com deportação para os estrangeiros e até prisão para chineses. (fora o que a gente desconhece)

O mundo, disse ele na TV estatal, viu como a China merecia receber as Olimpíadas, e como fez um evento grandioso e blá blá blá.

Eu discordo. Mas acho que Pequim e a China mereceram e provavelmente continuarão merecendo as Paraolimpíadas.

Menor atenção internacional, menos responsabilidade e organizadas em um lugar que trata bem os seus deficientes. Sinais, calçadas, cardápios, comunicações e quase tudo em que pude pensar garantem a acessibilidade de cegos, surdos, mudos, paralíticos, portadores de distúrbios mentais e botafoguenses.

As sinalizações para cegos até machucam os pés de quem anda na calçada, quase sempre tropeçando em uma infinita faixa amarela salteada. Na TV muitas vezes não deu para acompanhar 100 por cento um evento olímpico porque legendas em chinês corriam o tempo inteiro para os surdos. Quem mora perto de avenidas importantes sofre com os sinais fazendo barulho a noite inteira.

Melhor assim.

A China tem pancadas de problemas, mas me parece que trata esses caras com respeito, pelo menos na capital --nunca se sabe o que pais insatisfeitos do interior fazem com crianças que tenham necessidades especiais, mas é fato que o governo não as pune se tiverem mais um filho caso o primeiro venha com essa condição.

Na próxima vez que uma cidade chinesa se candidatar a receber os Jogos Olímpicos --sim, haverá outras tentativas e, quiçá, novo êxito-- faço essa sugestão ao sucessor do tio Samaranch. Deixem só as Paraolimpíadas por aqui. Elas serão bem-vindas e merecidas.

Mas com a outra coisa, a que surgiu na Grécia, não.

Porque nem a Espanha do Franco mereceu tanta colher de chá.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Dando uma volta com a polícia

Acordei nesta quarta-feira com um policial batendo à minha porta. Em um inglês sofrível, disse que eu precisava comparecer à delegacia para tratar do meu visto. Na verdade eu deveria ter ido no dia anterior, mas uma pizza na noite de segunda-feira me impediu de sair de casa o dia inteiro. Eu tinha 15 minutos para me ajeitar.

Fiz isso e caminhei com o guardinha, que se mostrou simpático depois de saber que eu sou do Brasil. "Furebor!", esclamou ele. Entrei no clima e falei da vitória da China no quadro geral de medalhas. Ele não entendeu pica e somou um "verrry gouda" para se repetir na conversa sobre o esporte bretão praticado pelos brasileiros.

Chegando à delegacia, o chefe dos guardinhas me recebeu. Ele é o único policial que fala inglês razoavelmente no bairro onde estou. Expliquei a situação, mostrando também que sentia muito por não ter resolvido o problema antes. Diante de outros colegas, me tratou com formalidade e pediu para eu voltar quatro horas depois.

Ainda baqueado pela pizza --comida chinesa é feita a altas temperaturas que matam micróbios e as pizzas, não--, voltei à delegacia. E o guardinha disse que por norma chinesa eu teria de ir na viatura de polícia até a imigração. Um Santana bem decrépito, ao contrário dos carros bonitos que se vê nas polícias de distritos mais cheios de gringos e endinheirados.

No caminho, o guardinha quer saber tudo sobre o Brasil. Quer saber o que eu acho sobre a China. Quer saber sobre minha namorada e sobre as mulheres brasileiras. Depois ele conta da vida dele, formado em engenharia, mas policial por causa da emoção. É o máximo que ele se permite explicar. Para não falar muito mais, ele me oferece uma garrafa de chá verde das várias que carrega na viatura. É bom para o estômago, diz ele, casado com uma artista plástica que é viciada em chá e que o ajuda a praticar inglês em casa.

Chegando à imigração, ele me pergunta se tenho dinheiro. Digo que não e começo a achar que o cara ia pedir uma propina para resolver a situação. Mas não era nada disso. Ele queria saber se eu tinha dinheiro para pagar a multa de 300 iuans para quem tem o visto expirado. O guardinha conversa com dois agentes e, zap, em três minutos está resolvida uma situação que me tomou pelo menos duas tardes inteiras, no sábado e na segunda-feira.

E eu não pago nenhuma multa.

Normalmente eu pagaria a multa e ficaria umas boas horas ali. Mas o exemplo do guardinha me lembrou de algo que um colega daqui contou: os chineses também dão jeitinho. Não com a malemolência brasileira, mas dão. No fim das contas, pessoas são pessoas. E nenhum regime repressivo consegue mudar isso.

Nem com as mais de 50 câmaras que contei naquele lugar, conseguiram barrar uma iniciativa livre.

Sorte minha.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Para correspondentes, Olimpíadas mudam pouco para imprensa na China

Maurício Savarese, especial de Pequim para o Comunique-se

Os correspondentes em Pequim dos mais importantes jornais brasileiros avaliam que a realização dos Jogos Olímpicos pela China pouco vai alterar a postura rígida do governo para com a mídia estrangeira em curto prazo, depois de dezenas de casos reportados sobre interferência estatal na cobertura jornalística durante o período do evento.

Para eles, apesar de uma relativa abertura à imprensa internacional ao longo das últimas semanas, a China manteve a grande maioria das limitações ao trabalho jornalístico sem que a organização do evento esportivo mais importante do mundo sofresse grande prejuízo.

"No curto prazo não vai mudar nada. Até porque os jornalistas que vieram tiveram basicamente os problemas de qualquer grande cobertura. No que interessa, na China real, as Olimpíadas mudaram pouco, com algum acesso a mais a sites antes proibidos. Mas o resto ficou do mesmo jeito", disse o jornalista Gilberto Scofield Jr, correspondente do diário O Globo na capital chinesa.

"Quem esteve no espaço olímpico apenas viu uma ilha da fantasia. A China real estava aqui fora e muita gente da imprensa não viu. O governo pode acabar achando que no fim das contas valeu a pena continuar as coisas como sempre fazem. Se forem mudar alguma coisa em favor de mais liberdade de imprensa, vai demorar", afirmou ele, que vive no país há quatro anos.

Em sua segunda passagem pela China, a jornalista Cláudia Trevisan, correspondente do diário O Estado de S.Paulo, avalia que a China pode fazer um movimento parecido com o da cobertura do terremoto em Sichuan, em maio deste ano, no qual morreram quase 90 mil pessoas, segundo dados extra-oficiais.

"Primeiro tivemos um momento de mais liberdade, no qual o Partido Comunista queria mostrar que estava dando uma resposta rápida ao desastre. Depois, quando fomos buscar as histórias das escolas mal construídas que desabaram e mataram centenas de crianças, começamos a enfrentar problemas. Eles fazem esses movimentos de abertura e fechamento com alguma freqüência", afirma.

Para ela, o sucesso dos Jogos no país ajuda a legitimar o regime comunista e pode tornar ainda mais demorado um processo de maior abertura da China para a mídia estrangeira.

"Eles muitas vezes invocam a história milenar do país para justificar o tempo com que algumas decisões são tomadas. Eles levaram tempo para que os jornalistas estrangeiros tivessem um pouco mais de possibilidade de entrevistar pessoas do campo, por exemplo. Antes era só com autorização expressa. Talvez as Olimpíadas façam com que isso se mantenha, mas ainda é difícil saber como o governo, mais popular do que nunca, vai lidar com isso."

Para o correspondente da Folha de S.Paulo em Pequim, Raul Juste Lores, a cobertura dos Jogos foi positiva para a China, apesar das reportagens mais negativas para o país na mídia ocidental. E exatamente por isso, o país comunista pode manter restrições como intimidação de fontes e destruição de material jornalístico e tolerar a violência de paramilitares contra repórteres que estejam em alguma cobertura que contrarie os interesses do Politburo.

"Das duas uma: ou eles vão pensar que a mídia internacional não morde, que pode vir aqui e não incomodar tanto, ou eles resolvem manter exatamente como está, já que puderam realizar um evento internacional sem terem de mudar muita coisa no trato", disse ele, que está na capital chinesa desde o início do ano.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Fora da ilha da fantasia

Para quem cobriu os Jogos Olímpicos no Green, Pequim é um sonho de lugar, bem organizado, prestativo e merecedor de todos os aplausos pelo sucesso de público que conduziu entre 8 e 24 de agosto. Para quem está fora e fez uma cobertura alternativa do maior evento do esporte mundial, a capital chinesa é apenas onde você toma na cabeça sem parar, tendo sua liberdade vigiada por espiões em todo lugar ou sendo barrado pela estúpida e comunista burocracia local, sem nenhuma regra clara.

Quando o tio Jacques Rogge, presidente do Comitê Olímpico Internacional, seguiu a tradição de decretar as Olimpíadas de Pequim como as melhores da história, me lembrei de como foi gostoso andar pelas ruas da cidade recheadas de supostos voluntários vinculados a várias empresas. Na verdade, eles eram observadores e alguns admitiram acompanhar os estrangeiros nas ruas para garantir sua segurança durante a estada na sede dos Jogos.

Ah, claro, segurança. Obrigado, voluntários!

Lembrei também do perrengue que outros conhecidos tiveram antes e depois de agosto para renovar uma porcaria de visto por alguns dias. Uns pagaram multa, outros tiveram a saída acelerada e alguns rumaram a outras cidades durante os Jogos. Agora sou eu quem precisaria renovar o visto, mas o governo chinês quer que me dane.

Minha volta está marcada para o dia 5 e meu visto --de turista-- venceu no sábado. Eles dão dez dias de lambuja, mas meu bilhete conta 13 dias depois de expirado o visto. Sinal de que vou receber a visita de policiais em casa dizendo que tenho prazo para deixar a China e que, possivelmente, pague uma multa.

Muito mais fácil seria renovar a porcaria, não?

Não aqui.

No sábado fui à imigração e me disseram que eu precisaria abrir uma conta chinesa e fazer um depósito de 100 dólares para cada dia que ficasse aqui até o meu vôo. Eles seguram essa grana para comprovar que você tem meios de ficar aqui e dias depois devolvem, provavelmente depois de fazer a grana girar. Sem condição de fazer isso, mandaram eu voltar na segunda-feira.

Fui ao banco onde tenho conta bancária, o HSBC, cujo nome quer dizer Hong Kong Shanghai Banking Corporation, mas apesar de ser uma empresa chinesa com presença internacional os figuras não podem me dar um documento que comprove que tenho a droga do dinheiro para ansiosamente esperar o avião que me tirará daqui.

Resolvo voltar à imigração para ver se depois do fim dos Jogos se esquecem dessa regra idiota do depósito --que costumava ser aplicada para a segunda renovação, e não para algo simples como o meu caso. Chegando lá a atendente não fala nada sobre depósito. Mas pede que eu atualize um registro na polícia do bairro onde estou para me dar autorização para ficar os dias a mais.

Chego à delegacia, 40 minutos depois, e a escrivã não fala pica de inglês. Meu amigo Victor, fluente em chinês, conversa com a tia. Ela diz que não pode atualizar o meu documento se não tiver o visto. O mesmo visto que me foi negado pela imigração, que hora antes disse que para eu recebê-lo preciso de atualização do cadastro da polícia.

Viram que coisa linda?

A ajuda que ganhei foram 30 minutos de espera e um pedaço de papel com um pedido --em chinês-- para eu ir a um lugar que desconheço na manhã de terça-feira onde resolveriam meu problema. A tia, no entanto, não soube dizer se eu precisaria pagar para isso. Ah, claro. Resolver o meu problema.

Faltei e cá estou esperando a polícia bater na porta. Pelo menos um dos guardas fala inglês. Esse é o mundo de quem não tem credencial.

Tudo bem, é do jogo. Fui eu quem decidiu vir, mesmo sem ajuda.

Mas se alguém vier me falar de como o comunismo é bacana quando eu voltar, já aviso que vou dar porrada. Não dá para ter bom senso com quem defende ditadura que vigia e cria regras vagas só para pegar no pé de estrangeiro que aparece aqui.

Já chamo minha passagem de volta de "Passaporte da Alegria".

domingo, 24 de agosto de 2008

"Come on, it's the Olympics!"

Esse foi o mote da minha última noite de Olimpíadas de Pequim, fornecido por um ex-atleta americano. Estavamos eu, ele e outras dezenas de pessoas tentando assistir à cerimônia de encerramento dos Jogos no telão gigante de um hotel sete estrelas que fica ao lado do Cubo de Água. Sentados na calçada, sem impor nenhum risco de segurança. Apenas querendo aproveitar mais a experiência de conversar com gente do mundo todo.

Eis que pouco depois dos primeiros fogos de artifício surgem algumas dezenas de políciais para remover a tigrada do lugar. Ninguém se conformou. Vários chineses batem-boca com os home, que não querem nem saber de vagabundagem olímpica. Todo mundo circulando. Menos o americano, um negão de alguma idade, com trancinhas rasta tingidas de branco e sorriso fácil.

Surge o primeiro "Come on, it's the Olympics!". Os policiais parecem entender o que ele quer dizer. Uns olham para baixo e continuam afastando o povaréu. E o americano, que me disse se chamar Pereira --mãe portuguesa--, não se mexe. Os home insistem, mas Pereira nem dá bola. It's the Olympics e em outros Jogos a que já foi, ele viu a cerimônia de encerramento do lado de fora do estádio.

Ele me contou que esteve em todas elas desde 1972, quando teria competido na equipe de atletismo do revezamento 4 x 100 dos Estados Unidos. Me mostra a credencial de treinador e fuzila: os Jogos de Pequim foram os piores em que ele esteve.

"Deve ter sido bom para quem está lá dentro, mas para mim foi péssimo. É tudo de plástico. Onde está a humanidade do maior show do mundo? Não teve humanidade de verdade nos Jogos de Pequim. Não tem espaço para todo mundo, só para quem tem ingresso. Eles não entendem nada do espírito olímpico neste país", diz ele, ainda parado e com policiais insistindo para ele tomar o rumo de casa.

Enquanto eu penso no que diz o velho Pereira, chegam três chinesas esbaforidas. Uma menina, a mãe e a avó. Os polciais dizem a elas que não podem seguir ali para ver a cerimônia de abertura. A mãe começa a bater boca com o chefe dos guardas e o clima fica tenso. Depois de dois minutos, a mulher rompe em choro.

A filha a acompanha e todos, chineses e estrangeiros, civis e policiais, respeitam. Mas a decisão vem de cima e já está tomada.

Um democrático "pra fora, cambada".

Tudo que eu consigo fazer é esperar a senhora terminar de chorar e dar um tapinha camarada nas costas dela, já sem nenhuma vontade de ver a tal cerimônia.

Ficou ainda mais melancólico enquanto eu andava para mais longe --o americano aparentemente ficou ali até cansar os policiais, que não afastaram ninguém à força. Eu ia passando pelas ruas e via moleques correndo para perto do estádio para assistir no telão e moças vestindo suas melhores roupas para o evento histórico.

Parei em um bar para assitir à cena e minutos depois que essas pessoas passavam, voltavam, cabisbaixas ou em silêncio.

Nada daquilo é para elas.

Lembrei dos relatos sobre o clima alegre de outras Olimpíadas. Gente nas ruas o tempo todo, fogos de artifício, emoção genuina e liberdade. Em Pequim, vi muito pouco disso.

Adoro os Jogos Olímpicos desde os sete anos de idade. E, pela primeira vez em uma cidade sede, nunca vi tão pouco do evento esportivo que mais gosto. Na TV só deu para ver atleta chinês. Nos ginásios, conseguir ingresso era um inferno. E no último dia, o governo não permitiu às pessoas sequer assistir à porcaria de cerimônia perto do estádio Olímpico. Proibiu até o telão.

Poderia ter sido tão simples e belo. Poderia ter sido mais humano. Porque, afinal das contas, são as Olimpíadas, que reúnem quase todos os países do mundo apenas de quatro em quatro anos.

Pena que a China não sabia. Vou ter de esperar até 2012.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A Holanda é um país legal

E a Holland House, espaço aberto pelo comitê olímpico holandês em Pequim, também é. Ao contrário da ilha da fantasia do Olympic Green, nesse lugar os sorrisos dos atendentes nunca parecem promovidos pelo governo, as pessoas se sentem livres o suficiente até para usar maconha com moderação e existe senso de humor.

Não poderia esperar menos de uma equipe que escolhe a espalhafatosa cor laranja, da família real, para disputar as competições esportivas.

Mas o melhor dos holandeses é a tranquilidade para conversar sobre qualquer assunto. Uma característica bem pouco chinesa.

Vi holandeses falando em inglês do que os chineses chamam de "incidente de 1989 na Praça da Paz Celestial", política norte-americana, commodities, descriminalização das drogas, tentativa de receber a Copa do Mundo em 2018, crescimento da direita nos países europeus e por aí vai. Tudo sem parecerem ranzinzas ou desesperançosos e achando tempo para dançar e beber.

Até sobre o Corinthians os caras falaram. Estava parado com minha camiseta roxa e um grupo de holandeses e escoceses se aproximou dizendo "Carlos Tevez"! Minutos depois, comentaram sobre algumas das falcatruas da MSI e, assim como os escoceses, demonstraram medo pela Copa do Mundo no Brasil em 2014, apesar de estarem se planejando para ir à África do Sul. Eles lêem.

A animação não deve nada para as melhores festas tupiniquins.

No mesmo dia a seleção holandesa feminina de hóquei tinha batido a China na disputa pelo ouro e foi comemorar ali. As moças, quase todas muito bonitas, mergulharam por cima do povaréu e foram carregadas ao som de "We Are the Champions" e de umas músicas holandesas cujo nome não me atrevo a escrever.

Dezenas de pessoas bateram bola no "Ping-Pong Paradise", outras tantas usavam bexigas para brincar no meio da festa e várias bandas se revezavam no palco com um som bem feliz que lembrava polca --espero que essa comparação não faça a nobre amiga Stijntje Blackendaal colocar veneno no meu prato de macarrão com abobrinha quando eu voltar.

Do lado de fora da balada, as banquinhas de quitutes das terras baixas vendiam a um preço razoável quilos e quilos de batatas fritas com maionese e de um croquete sensacional, que serviu para um holandês se empolgar aos gritos moderados de "Free Croquette!" A cara dele não era exatamente de quem queria comida de graça, mas sim de quem, como eu, acha um saco essa vigilância chinesa.

Não vou me alongar a respeito da beleza do povo que ali estava. Posso dizer que me senti um sapo perto dos homens holandeses, quase todos muito mais bonitos do que eu. E as mulheres, pai do céu nunca vi tantas juntas no mesmo lugar, eram lindas --quase tanto quanto minha bela namorada carioca, que me faz falta demais.

Uma moça brasileira que ali foi outras vezes me disse que o clima é sempre aquele, independentemente de a Holanda ganhar alguma medalha de ouro no dia ou não. Porque, no fundo, os holandeses estão se lixando para quantas medalhas vão ganhar.

A preocupação principal deles, ficou claro para mim, é educar bem o seu povo e manter o espírito razoavelmente livre para esse mundo que ninguém entende direito como funciona.

Por isso tudo que a Holanda é um país bem legal.

E o que não for legal, eles já devem estar pensando em descriminalizar. Pena que fique tão longe do Brasil.

Correspondentes na China acusam governo de interferir em mais de 30 reportagens

Maurício Savarese, especial de Pequim para o Comunique-se

O Clube dos Correspondentes Estrangeiros na China acusou o governo chinês de interferir em mais de 30 reportagens desde 25/07, dias antes da abertura dos Jogos de Pequim. Segundo o grupo, os incidentes incluem violência, destruição de material, detenção, constrangimento de fontes, interceptação de comunicações, proibição de acesso a áreas públicas, intimidação por autoridades, repreensão oficial, vigilância e outros obstáculos.

De acordo com o clube (FCCC em inglês), houve dez casos de violência –mais que o total confirmado no ano passado—e oito casos de danos a equipamentos ou destruição de fotos. Mais de 20 casos estão sendo confirmados. Até 20/08 deste ano, o FCCC contou 152 interferências do governo em reportagens –em 2007 foram 160 incidentes.

Os casos reportados incluem a detenção e a tomada de cartões de memória das câmaras de fotógrafos da Associated Press que tentavam cobrir um protesto durante as Olimpíadas, as agressões a um cameraman alemão por voluntários olímpicos pouco depois de ele tentar visitar a esposa de um ativista por direitos humanos e o constrangimento a um fotógrafo da France Press que foi obrigado pela polícia a apagar fotos em Xinjiang –leste do país, onde há um movimento separatista.

"Quem está lá no Olympic Green só vai falar de problemas que acontecem em qualquer grande evento. Mas quem está fora fazendo reportagem sobre os expedientes da China para receber os Jogos Olímpicos está sendo tão reprimido quanto sempre foi", disse o jornalista Gilberto Scofield Jr, há quatro anos correspondente do diário O Globo em Pequim e membro do FCCC.

Os incidentes reportados não incluem uma visita incomum da polícia chinesa ao apartamento de jornalistas do SBT que horas antes tinham baixado pela Internet fotos de uma campanha da Anistia Internacional pelos direitos humanos no país sede da 29ª edição dos Jogos Olímpicos.

Um dos casos mais famosos de interferência durante as Olimpíadas foi o de uma transmissão ao vivo da TV alemã ZDF desde a Muralha da China. Apesar de dezenas de autorizações, os jornalistas que entrevistavam um arqueólogo norte-americano sobre o assunto foram interrompidos por policiais que saltaram diante das câmaras.

Segundo o produtor Johannes Hano, os policiais alegaram que o especialista não era licenciado para tratar do assunto. " Apesar de a interrupção da nossa transmissão ao vivo ser uma pesada interferência, ela é apenas a ponta do iceberg do que vivemos a semana inteira de nossas planejadas transmissões ao vivo na China", afirmou.

A ZDF, uma das retransmissoras oficiais dos Jogos, fez um protesto formal ao Ministério das Relações Exteriores, mas não recebeu nenhuma resposta oficial, segundo um outro funcionário da TV alemã.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Preços olímpicos

Por estas bandas tive o prazer de arrumar ingressos para eventos bem edificantes, como hóquei na grama, arco e flecha e tênis de mesa. E também vi semifinais do tênis e partidas de basquete na primeira fase. Se eu somar o preço de todos os ingressos, gastei 250 reais. Comprando com agência de viagem e cambista.

Bem módico.

Mas para um chinês médio, cujo salário não passa de 200 reais, gastei uma fábula. Nas cacetadas de vezes que perguntei --com ajuda de tradutor-- se taxistas, garçonetes e aposentados tinham conseguido ingressos, a resposta que obtive quase sempre foi a de "não tenho dinheiro para isso". Não tinham mesmo.

Só em julho o núcleo da inflação na China --tirando combustível e comida-- bateu nos sete por cento. Os salários têm reposição ocasional, mas nem um crescimento de 20 por cento ao ano sustentaria isso para os caras, que estão vendo os preços da comida deles disparar. Uma das razões para isso são, surpresa!, os Jogos Olímpicos.

Pelo que contaram algumas das pessoas daqui, os vendedores mais simples, de agricultura familiar, costumam fornecer produtos para mercados de todo tipo. Esses vendedores, quase sempre de fora da cidade, não podem entrar. Caminhões de maior porte também não entram, por medo de que possam carregar armas.

Uma questão de segurança.

Vai chegando o fim das Olimpíadas e a impressão que se tem de algumas pessoas é de que será um alívio. O governo alertou há tempos que as amarras mais fortes durariam até o fim das Paraolimpíadas, mas já há quem pense que esse estado de Pequim quase sitiada não vai se manter por muito mais tempo.

Fico pensando se para um chinês médio, que viu o governo falar nessas Olimpíadas por sete anos, valeu a pena o esforço. O preço da comida subiu, o trânsito das pessoas pelo país deu uma boa desacelerada e os empresários que ganham mais de 400 reais ao mês já dizem que esse período desacelerou os negócios.

Propaganda é a alma do negócio?

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Uma curiosa equipe da TV Record em Pequim

Bar da zona leste de Pequim, meia-noite de segunda-feira. Eu estou no banheiro. Quando volto, vejo dois amigos agora acompanhados por uma outra colega, um gordinho e uma morena brasileira muito bonita. Me sento à mesa. E, do nada, a moça bonita começa a conversar comigo. Desconfio, só para variar.

Trinta segundos depois surge o diagnóstico: ela é repórter da TV Record e está desesperada para cumprir ordens do chefe. Precisa de gente que não goste da comida de Pequim. Alguém disse a ela, acidentalmente, que eu não curto algumas das gororobas que servem por aqui e a dita cuja caiu matando.

"Mauricio, você não gosta da comida da China, não é verdade?", pergunta ela, que de cara não vê problema em entrevistar um jornalista para fazer sua reportagem.

"Não é verdade", respondo.

"Eu preciso de pessoas que não gostem da comida da China. Me conte do que você não gosta", insiste a brasileira, que não desiste nunca, já com bloquinho na mão.

Um dos meus amigos vai além do meu susto e fala alto: "É assim que vocês cavam as pautas de vocês? Vocês estão reportando ou estão buscando gente que caiba no que vocês querem ouvir?", disse ele.

A moça, a esta hora não tão bonita, fingiu que não ouviu e pediu meu telefone com aquele sorriso que todo mané acha que vem de mulher que quer levá-lo para a cama.

"Não sei o número", respondi, enquanto andava para a porta com o celular à mão, fingindo estar falando com alguém.

Cinco minutos depois, ela saiu do bar. E eu ainda com o celular na mão e com uma vergonha alheia do tamanho do mundo. A bonita e o gordinho ainda caçavam quem coubesse na pauta deles.

A China realmente exagera quando fala na mídia ocidental malvada. Porque pelo menos no caso da brasileira, ela não é mal intencionada, como no caso da equipe da TV Record que me abordou.

Eram apenas jornalistas vagabundos e picaretas, sem raiva do país.

Logo depois lembrei que a TV Record terá exclusividade da retransmissão dos Jogos Olímpicos de 2012. Será que a moça bonita e o gordinho ainda estarão por lá?

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Após incidente, SBT teme vigilância em Pequim

Maurício Savarese, especial de Pequim para o Comunique-se

A aparente coincidência entre uma visita policial e o download de fotos da Anistia Internacional críticas ao respeito dos direitos humanos na China deixaram a equipe de reportagem do SBT em Pequim com dúvidas sobre se ainda está sendo vigiada durante a cobertura dos Jogos Olímpicos.

Na semana passada, três policiais fizeram uma segunda e atípica visita à equipe de 13 pessoas que vieram do Brasil, instaladas em dois apartamentos perto do Parque Olímpico. Pouco antes, o repórter especial Sérgio Utsch tinha baixado fotos de uma campanha da seção européia da Anistia Internacional para ilustrar uma reportagem.

Os policiais tiraram fotos assim que a porta foi aberta e, convidados pelos funcionários do SBT, entraram nos apartamentos. Checaram passaportes, fizeram perguntas que não se relacionavam com as fotos e deixaram o local, segundo Utsch. Desde então, os jornalistas se preocupam com o tratamento que podem receber na sede dos Jogos Olímpicos.

"Não posso afirmar que estamos sendo vigiados, não tenho provas disso. Mas vou levar essa dúvida daqui. A gente não deixou de fazer nada por isso. Não viemos para provocar a polícia, sabemos das limitações. Só que a preocupação fica, até porque as regras nunca são muito claras", disse Utsch ao Comunique-se.

Normalmente a polícia chinesa faz apenas uma visita a estrangeiros recém-instalados no país, horas depois de eles se registrarem na delegacia mais próxima.

Responsável pela equipe do SBT em Pequim, Alexandre Carvalho, compartilha a preocupação dos colegas que produzem, de acordo com ele, "reportagens sem nenhum tom ufanista e que, às vezes, podem parecer mais críticas".

"Ficamos mais receosos porque tudo isso que ouvimos de outros colegas chegou perto da gente. E o receio se justifica porque eles têm posição de nos monitorar se quiserem. Sem contar que todos os sinais de transmissões na China passam pelo centro de imprensa deles. Só depois eles passam para o satélite dos EUA", afirmou Carvalho.

"Mesmo assim estamos confiantes de que dá para fazer um bom trabalho. Somos uma emissora fora do circuito dos esportes olímpicos, estamos mais na cidade e é natural que surjam algumas dificuldades. Esperamos que tenha sido apenas uma coincidência", completou.

domingo, 17 de agosto de 2008

Sanlitun, Brasil

O amigo e jornalista Felipe Corazza, meu anfitrião em Pequim, tem a tese de que onde estiverem pelo menos cinco brasileiros haverá um pandeiro. Nada mais adequado para definir o caos criado por pelo menos trinta pessoas de verde e amarelo que ocuparam na noite de sábado a gringolândia local, chamada de Sanlitun.

Em uma região cercada de bares metidos a besta, eu e outros amigos paramos para conversar com dois nigerianos e um mexicano que estavam bebendo do lado de fora das baladas, sentados em cadeiras mal ajambradas de uma tiazinha da cerveja na entrada de um estacionamento. Sim, somos do terceiro mundo.

Minutos mais tarde pararam alguns blogueiros de Brasília. Pouco depois, com um pandeiro, chegou o pessoal que vinha da partida de vôlei entre Brasil x Polônia. Em seguida, junto da batucada, surgiram mais tupiniquins e, surpresa!, outro pandeiro. Eis o furdúncio que deixou os seguranças e a polícia preocupados.

Foram pelo menos três horas de batucadas, capoeira de nível iniciante no meio da rua, cervejas a 75 centavos de real --para mim, água, por 60 centavos-- e até homenagem a Dorival Caymmi, que neste fim de semana foi para Maracangalha.

Uma chinesa que via a cena disse que achou engraçado. Outros estrangeiros se esbaldaram e pelo menos três deles me contaram que seria ótimo realizarmos grandes eventos esportivos no Brasil porque o povo compensa a falta de estrutura. "É a primeira vez que vejo um grupo de pessoas realmente feliz aqui em Pequim nas Olímpiadas", disse um canadense de Winnipeg.

Faz sentido.

Foi a primeira vez que vi um grupo não se preocupar com polícia para fazer bagunça. As pessoas aqui não estão lá muito estimuladas a serem barulhentas nas ruas, com medo de terem os vistos cassados ou de irem para o xilindró. O maior exemplo disso foi o um grupo de irlandeses bêbados andando no metrô após a cerimônia de abertura sem dar um pio. Nada mais anti-natural.

Para os policiais chineses, no fim das contas, o único problema que realmente criamos foi de trânsito na rua. Ali não é área residencial e os pequineses que ali aparecem já são bastante escolados --o que muitas vezes faz com que eles sejam acusados de serem ocidentalizados demais.

Mas nos demos por satisfeitos ao promovermos um encontro de dezenas de pessoas sem pedir autorização ao governo chinês. Um grupo brasileiro que luta capoeira tentou conseguir permissão para jogar na rua dias antes e foi barrado. Por estas bandas, o importante é fazer sem pedir licença. Façamos.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Obrigado, Dunga

Tá certo que a seleção brasileira não está jogando grande coisa. E que persiste a dúvida sobre quem é o mais apagado entre Diego, Ronaldinho e Alexandre Pato. Mas a vitória por 3 x 0 sobre a China foi uma das que mais comemorei nos últimos tempos, mesmo não sendo lá um fanático pela equipe canarinho.

(Prefiro o Corinthians. Assim como qualquer torcedor brasileiro da minha idade prefere torcer pelo seu clube e não jura amor pela seleção brasileira apropriada pela Nike e pelo presidente da CBF.)

Enfim.

Caminhava eu por uma rua perto da Praça da Paz Celestial, quando passei por uma lanchonete do McDonald's que transmitia o quebra-canelas. Decidi parar, apontar para o cardápio para pedir algo de comer e me abundar em meio a uns vinte chineses que gritavam o seu insuportável Zhongguo Jia You (Vai China, em mandarim).

Está acabando o primeiro tempo. Parece que não perdi muito.

Os locais ainda gritavam e o placar estava 1 x 0 para o Brasil. E o time da China só correndo para, quem sabe, conseguir uma vaga nas disputas do atletismo. Não rolou. Mesmo assim, o povo na lanchonete se empolgava com os piques dos comunistas.

Começo a falar sozinho, em português, demonstrando que quero que o time deles se arrebente. Não há mais nenhum outro estrangeiro ali. Os chineses me olham com cara de curiosidade, outros desviam e uns três conversam e riem. Minha paranóia nessas situações reforça que o assunto sou eu. E nada de o Brasil marcar mais.

Intervalo. Eu ainda sou o assunto. Vou comendo. Bem irritado.

Sigo no meu idioma e eles no deles. Concentro as minhas ofensas nos chinas que pareciam estar falando de mim. No meio de um xingamento, Thiago Neves começa a me redimir e marca o segundo. Comemoro de leve, com ar de quem já viu milhares de gols.

Apenas um soco no ar, sem gritar nada e com cara de indiferença para os chineses. Afinal, vencer no futebol é obrigação para brasileiro. "Podem gritar à vontade, seus manés!", digo eu.

E eles param.

Ficam conformados em ver alguns dribles bonitos do time brasileiro. Param de falar de mim. Começam a sorrir quando me olham --todos secam os estrangeiros aqui e é sempre com cara de "você é estranho pacas com esses olhos fundos!"

Eu quero é convulsão social com uns 5 x 0 no placar. Mas só rola mais um golzinho, que comemoro com um pouco mais de socos no ar e em silêncio. Os chinas desistem de torcer e só assistem ao jogo.

Celebro a vitória por um outro motivo. Por aqui muitos dizem que os negros não são gente de verdade. Amigos já testemunharam situações desse tipo antes dos Jogos Olímpicos. Por isso, quero que a China perca sempre que enfrentar a negrada.

Imagino que nem todos os chineses pensem assim, mas me senti um tanto redimido ao ver que o Brasil, cheio de afro-descendentes, bateu sem esforço no esporte mais popular do mundo o time da nação mais povoada e que se vê às portas do primeiro mundo.

Obrigado, Dunga. Por enquanto.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A China que cansa

Com o passar do tempo a China começa a dar no saco. Neste país, onde as crianças cagam e mijam em qualquer lugar e onde os motoristas de taxi cada vez mais fingem não entender um pedido --mesmo que você fale chinês--, não dá para ver nada que não seja propaganda da equipe olímpica nacional na TV.

Não interessa se você quer assistir ao jogo da seleção de futebol do Brasil ou o time de basquete dos Estados Unidos. Quem está aqui não vai ver nada pela televisão que não seja um chinês levantando peso ou uma chinesa mandando ver no tiro.

Sem contar que mesmo com cacetadas de gringos aqui, as pessoas continuam te olhando embasbacadas no meio da rua. Tem umas crianças que chegam a fugir de medo. Nas primeiras semanas é engraçado, mas agora eu só consigo mandá-los para aquele lugar. Ou tomar naquela parte. Obrigado, língua portuguesa!

Os voluntários, então, nem se fala. São milhares de grandissíssimos manés, que raramente sabem a resposta para qualquer pergunta que você faz. Ontem assisti ao meu primeiro evento olímpico --as eliminatórias da emocionante disputa do arco e flecha-- e rigorosamente nenhum voluntário conseguiu ajudar em nada.

Não dá para vê-los como algo além de jovens bem relacionados que arrumaram um esquema patrão para assistir aos Jogos Olímpicos.

Meu amigo Victor, correspondente da rádio Eldorado na Ásia, tem uma música do Jorge Ben Jor chamada Ive Brussels como toque do seu celular. Cada vez que o telefone dele toca e eu ouço, lembro de como quero dar o fora daqui logo. Logo mesmo.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Muralha da China

O rapper Mano Brown costuma dizer que quem é do gueto nunca tira o gueto de dentro de si. A frase resume o que sinto a milhares de quilômetros de distância de casa, na cidade sede dos 29os Jogos Olímpicos.

Eu nasci no bairro do Jardim da Saúde, que já foi bem mais pobre. Talvez por isso me sinta mais à vontade no apartamento suburbano onde estou hospedado em Pequim. Aqui não tem nenhuma suntuosidade de cerimônia de abertura --que evento mais tedioso!-- nem gente de todo o mundo desfilando pelas ruas.

Os chinas que vivem aqui têm traços parecidos com os da gente simpática da rua Doutor Malta Cardoso. Aqui e lá, tem gente que dá duro para satisfazer necessidades básicas e segurar um troco para o sorvete da molecada e para a cerveja de cada dia --não no meu caso.

A diferença é que aqui, pelo menos nessas duas semanas em que ando pela cidade, não vi uma vez sequer algo equivalente às peladas no asfalto quente, quando galegos e negões jogavam no mesmo time e faziam clássicos memoráveis, para depois dividirem uma garrafa de refrigerante tamanho família. Aqui, dizem os dados oficiais, 90 por cento das pessoas são da mesma etnia, a han. Será mesmo?

Bem perto de onde estou, há um conjunto habitacional para migrantes. Eles viajam pelas grandes cidades para fazer obras a soldo do governo. São quase sempre homens e mulheres da Mongólia Interior, do islâmico Xinjiang e do Tibet, além de outras regiões menores, que são reunidos ali para fazer obras cujo resultado final raramente vão desfrutar.

Os Jogos começaram, mas esses daqui de Babaoshan passam longe de qualquer instalação olímpica. Trabalham na construção civil e são sortudos, porque a maioria dos outros migrantes já foi mandada para casa há semanas. Esses daqui de perto labutam em um conjunto de prédios de onde sai barulho de noite e de dia.

Os migrantes costumam parar tudo para assistir ao evento da passagem de um laowai (estrangeiro). A principio achei aquilo muito irritante. Mas não foi mais irritante do que a obra que ergueram há alguns dias: grandes tapumes ao redor do local onde residem, parecidos com os que vi protegendo áreas menos privilegiadas entre o aeroporto e a cidade. Alguns já disseram que é um tipo de gueto. Ainda não sei se concordo.

Há chineses que dizem que a questão dos migrantes precisa ser resolvida urgentemente e apóiam grupos de defesa dos direitos dessa gente, todos chancelados pelo Partido Comunista Chinês. A grande questão para esse povo é que os filhos da massa interiorana não podem estudar nas mesmas cidades onde os seus pais trabalham.

Para outros, esses trabalhadores não são seres humanos. Muitos não hesitam em dizer que uigures (do Xinjiang), mongóis e tibetanos não merecem confiança nem maior autonomia para as suas regiões.

Um impasse que nunca sai das entrelinhas, em favor do que chamam por aqui de "sociedade harmoniosa". Harmoniosa onde?

"Meiyou banfa", diriam os migrantes. Não tem saída. Já ouvi esse papo antes no gueto do Jardim da Saúde.

Os tapumes estão cobertos por faixas e pinturas relacionadas aos Jogos Olímpicos. Sinais cheios de cores, anéis que representam os ideais do movimento relançado há pouco mais de um século e que pela primeira vez é realizado em solo chinês.

Além dos desenhos, o tapume é coberto pelo slogan das Olimpíadas de Pequim: One World One Dream. Um mundo, um sonho.

Uma China? Na atual condição, isso parece bem improvável.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Repórteres vêem restrições leves à cobertura olímpica. Por enquanto

Maurício Savarese, especial de Pequim para o Comunique-se

Jornalistas que participam da cobertura das Olimpíadas de Pequim avaliam que a China não impôs pesadas restrições para o seu trabalho até agora, mas se dizem preocupados com a possibilidade de isso acontecer e consideram difícil o acesso a informações fora do centro de imprensa durante o maior evento do esporte mundial.

O coordenador da cobertura da Folha de S.Paulo nas 29ªs Olimpíadas, Fabio Seixas, afirma que a primeira grande dificuldade surgiu na quarta-feira (06/08), no acompanhamento ao percurso da tocha em Pequim. As autoridades informaram apenas sobre os locais de início e fim da passagem do símbolo que causou confusão em vários países do mundo. A falta de detalhes sobre o trajeto, diz ele, atrapalhou a cobertura.

"É complicado de obter qualquer informação que tenha o mínimo vínculo com segurança, como o portão pelo qual a tocha iria chegar. O outro problema que tivemos também foi fora do centro de imprensa, quando fomos cercados pela polícia durante uma reportagem em uma área de hutongs (moradias de estilo chinês). A intérprete precisou intervir e fomos embora. Mas dentro do centro de imprensa as coisas têm fluído bastante bem", diz o jornalista, que está à frente de um grupo de dez repórteres.

Para Seixas, o centro de imprensa pequinês responde bem aos pedidos de entrevistas com responsáveis pela infra-estrutura olímpica e tem se esforçado para atender às necessidades da mídia estrangeira, tantas vezes retratada pelo governo chinês como parcial e preconceituosa contra o país. "Não dá cinco minutos que você pede o contato de alguém, eles te ligam de volta com o número de quem vai falar", comentou o jornalista, que chegou à capital chinesa uma semana antes da abertura dos Jogos.

Editor de fotografia da agência de notícias Reuters, o americano Rickey Rogers concorda com as críticas e os elogios do jornalista brasileiro, e também prevê dificuldades no acesso a informações rápidas sobre os resultados. "Existem poucos terminais para isso fora do centro de imprensa e isso nos limita bastante. Outra questão é a falta de acesso à internet fora do centro de mídia. Se estamos fora de lá, tempos de pagar e pagar caro para usar a Internet e enviar material ", afirmou ele, que integra uma equipe de quase 60 fotógrafos e editores de fotografia.

Apesar desses entraves, Rogers considera a estrutura de mídia montada por Pequim superior à de Atenas. "Pelo menos está começando assim. Como vai acabar, ninguém sabe. Existe uma tensão no ar, todos percebem", diz.

Os freelances que tentarão se aventurar nos Jogos Olímpicos enfrentarão dificuldades muito maiores. Esse é o caso do repórter português Francisco Q, que prefere não revelar todo o sobrenome. Há cerca de dez anos rodando pela Ásia, o jornalista de 30 anos veio à China várias vezes, mas sentiu dificuldade especial no ano do evento internacional mais importante que o país recebeu em sua história milenar.

"Só para conseguir um visto no Japão foi um terror. Tive de assinar declaração me comprometendo a não fazer reportagem, mas estou fazendo do mesmo jeito. Não tenho credenciamento para as áreas olímpicas, é fato, mas a cidade está aí para ser vista. Não acho que vá faltar material para quem quiser escrever sobre algo à parte dos Jogos, mas o medo de ser pego vai estar sempre ali", afirma.

Brasileiros penam nos bares chineses para ver estréia nos Jogos

Por Maurício Savarese

PEQUIM (Reuters) - Se o jogo poderia ter sido melhor para a seleção feminina de futebol do Brasil, que empatou sem gols com a Alemanha na primeira rodada do torneio olímpico nesta quarta-feira, foi muito pior para os torcedores do país que tentaram assistir à partida em bares e restaurantes da capital chinesa.

Poucos televisores estavam ligados na estréia da equipe feminina de futebol, apesar de muitos bares e restaurantes terem adquirido aparelhos às vésperas das 29as Olimpíadas, contaram brasileiros que estão na cidade.

Nem mesmo o pub esportivo Goose and Ducks, perto da região de bares de Pequim e lotado de televisores, transmitiu o jogo, o que frustrou bastante um grupo de pelo menos cinco brasileiros que pretendia se concentrar ali.

"Todo mundo teve de correr para casa para assistir. Tinha falado com o dono do bar, que achava que poderíamos ver o jogo lá. Na hora, eles disseram que tinha caído o satélite", disse a paulista Juliana Scombatti, que vive em Pequim e trabalha para uma multinacional suíça.

Estranhamente, segundo ela, a partida estava sendo televisionada pelo canal estatal CCTV, que não costuma exigir nenhum tipo de satélite. Nenhum local visitado pela reportagem da Reuters na zona oeste da cidade estava com os aparelhos ligados no primeiro evento da Olimpíada.

No horário local, o jogo começou às 17h, quando muitos restaurantes já estão servindo o jantar. Em um deles, o televisor só foi ligado a pedido de um casal de brasileiros que vive na cidade e preferiu não se identificar.

"Viemos para cá porque é perto de casa. Não tem nenhum ponto claramente brasileiro em Pequim. Sem contar que o pessoal que veio parece estar bem disperso na cidade", disse um brasileiro de 25 anos, que trabalha em uma empresa chinesa.

Os chineses ali presentes mostraram indiferença com a partida de futebol na TV, que tinha frente a frente as duas finalistas da última Copa do Mundo feminina, disputada na China e que teve a Alemanha como campeã.

Apenas nos minutos finais, alguns funcionários prestaram atenção no jogo, possivelmente por solidariedade com os brasileiros que sofreram com o 0 x 0. A maioria dos chineses preferiu apenas evitar as mesas perto da televisão.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A China e a Internet

Dizem que por enquanto as coisas estão menos ruins do que de costume. Mas isso não significa que o acesso aos sites de todo o mundo esteja muito mais fácil.

O computador que uso já foi todo traduzido para o português. Aproveito para mostrar o que ganha quem tenta acessar o site da BBC em mandarim, por exemplo:

A conexão foi cancelada

A conexão foi cancelada pelo servidor enquanto a página era carregada.

* O site pode estar indisponível ou muito ocupado. Tente de novo em alguns instantes.

* Se você não conseguir abrir nenhuma página, verifique a conexão de rede do seu computador.

* Se o computador ou rede estiverem protegidos por um firewall ou proxy, certifique-se de que o Firefox está autorizado a acessar a web.

Eles dão opções para esconder que simplesmente bloquearam o site. Não era mais fácil simplesmente dizer que tal site ataca interesses do país, que faz parte da malvada mídia ocidental?

Pelo visto, não.

Negócios da China

O comerciante chinês é, antes de tudo, um espertalhão. O nível da picaretagem é tão grande que eles parecem até brasileiros. Talvez com um pouco mais de vergonha. Talvez.

A sacanagem mais óbvia é vê-los oferecendo um produto por quatro vezes o preço original. Especialmente os gringos bobos se empolgam, pechincham até metade e vão embora bem satisfeitos. E o chinês vendeu pelo dobro do preço.

Outros são apenas desonestos. Oferecem um produto e entregam outro. Foi isso que tentaram fazer comigo e uma amiga quando tentamos comprar um laptop em um desses shoppings pequineses onde aparecem hordas de atletas babacas fingindo negociar.

Fomos a uma espécie de paraíso dos eletrônicos acompanhados por um amigo fluente em chinês. Achamos que isso ajudaria na negociação. Depois de puxadas de braço e disputa entre os vendedores de diferentes lojas, optamos por um comerciante menos agressivo. Dois andares acima estavam as máquinas.

Chega a dona da loja, sorridente demais pro meu gosto. Lembrei do Chico Buarque e da sugestão do Ministério do Vai dar Merda, que serviria apenas para alertar sobre projetos do governo que corressem grande risco de dar errado. Começa a negociação, em chinês para ver se há alguma empatia.

Vinte minutos de conversa e chegamos a um modelo. Laptop moderno, com webcam, memória isso, placa daquilo e outros tremiliques mais. O preço: 4,3 mil iuans ou cerca de mil reais. Consultados os oráculos, a conclusão foi de que o preço era bom para o aparelho, que poderia custar mil iuans a mais.

Negócio fechado.

Saio para buscar dinheiro no caixa eletrônico.

Volto 10 minutos depois e o negócio está desfeito.

Malandra, a vendedora tentou empurrar um computador bem pior, sem webcam, sem memória disso nem placa daquilo. Uma máquina que custaria na Internet 3 mil iuans. E admitiu dando risada de leve, como se dissesse "vocês não foram otários pra comprar este, mas vão ser otários pra comprar outro".

Ela não sabia que somos brasileiros e não desistimos nunca.

Comunista vagabunda foi a ofensa mais branda à moça. Que, na cara de pau, dizia que era melhor comprar ali do que na Internet, porque na loja podíamos ver a mercadoria.

Coisa de gênio o argumento.

Ainda bem que as vendas pela Internet na China só crescem. Lidar com os caras do comércio daqui é uma experiência desnecessária.

domingo, 3 de agosto de 2008

Chinês não entende português. Ainda bem.

Minha readaptação ao Brasil será difícil. Estou na China há uma semana e já adquiri um vício: dizer em português as maior perversidades do mundo, certo de não ser compreendido. A sensação de liberdade é inigualável, mesmo em um país que não é lá muito conhecido por sua tolerância. Recomendo altamente.

Nada é tão salutar como soltar um delicioso "FDP" seguido de um sorriso singelo para xingar motorista de taxi que tenta sacanear ou que se recusa a fazer uma corrida por estarmos hospedados muito longe do centro --o que é corriqueiro.

Nós brasileiros adoramos comentar em voz alta sobre as roupas das pessoas, os cortes de cabelo, o cheiro ruim, a neurose com a segurança, a questão de Taubaté (região cheia de monges budistas), a poluição insuportável (que eles chamam de névoa) e o massacre da Praça da Paz Celestial ("o incidente de 89" para os chineses).

E absolutamente ninguém vem nos encher o saco. Para quem fala inglês ou francês, os cuidados bem são maiores, me garantiram alguns estrangeiros nada latino-americanos que vivem por estas bandas. Quem fala português pode ser subversivo à vontade.

O português é tão insignificante por estas bandas que na noite de domingo, em um bar da gringolândia local, a velha guarda da Vila Isabel, com cara de quem estava de sacanagem, entoou o samba enredo "Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós!", que deu à Imperatriz Leopoldinense o título do desfile das escolas de samba do Rio em 1989. Se alguém gritar liberdade em chinês, provavelmente aparecerão umas três viaturas da polícia oferecendo toda a segurança da delegacia e, quiçá, do xilindró.

Os brasileiros notaram a provocação, riram, eu cantei mais alto, e todos dançamos até cansar. Mas os chineses, talvez precavidos por não entenderem o que cantávamos, não se empolgaram muito com o samba estilo livre dos tupiniquins. Nem sequer atenderam a alguns pedidos meus, de "dança, vagabundo comunista". Nenhum deles entendia meia palavra de português. Nem de samba.

Falar meu idioma original com a certeza de não ser compreendido é um bálsamo em um país onde o Estado está em todo lugar --o FDP motorista de taxi, a menina canhão que vejo na rua ou a tiazinha simpática da casa de chá podem ser agentes de segurança do governo. Podem ser. Mas duvido que o concurso para o cargo de delator exija conhecimento de língua portuguesa.

Ainda bem.

sábado, 2 de agosto de 2008

China irrita sambistas brasileiros e censura batucada

MAURÍCIO SAVARESE - REUTERS

PEQUIM - Dias de clausura, alimentação limitada a sanduíches e proibição de batucada dentro de um bar pela polícia chinesa. Os integrantes da velha guarda da escola de samba Vila Isabel dizem que não esperavam por isso ao serem convidados para uma nada política apresentação na sede das 29as Olimpíadas.

Em mais um esforço pré-Olímpico para promover diferentes culturas, o Ministério da Cultura chinês organizou na sexta-feira e no sábado o show "Noite Latino-americana" no Grande Salão do Povo, em Pequim, onde se reúne anualmente o Congresso Nacional do Partido Comunista. Mas, segundo os sambistas, não soube lidar com os convidados estrangeiros.

"Na quinta-feira chegamos às 9 da manhã e tivemos de esperar dez horas para ensaiar. Não podia sair. No dia seguinte foi a mesma coisa. Não aguento mais ver sanduíche e água, que foi tudo que comemos. E comemos no chão, porque não podia sair nem do camarim", disse à Reuters o mestre Adilson Pereira após o show do sábado.

"Batucar também não podia. Nem aqui nem na rua. Quando batucamos em um bar do outro lado do hotel onde ficamos veio polícia e tudo. O que a gente passou aqui não é mole", comentou outro membro da delegação da Vila Isabel.

Segundo ele, os policiais consideraram 1 da manhã um horário inapropriado para manifestações culturais barulhentas dentro do bar.

Uma fonte da diplomacia brasileira em Pequim afirmou que a embaixada deve divulgar uma nota oficial nos próximos dias para lamentar o tratamento dedicado aos sambistas, que seguirão no país para outras apresentações.

PASTICHE

Além dos problemas fora do palco, os sambistas brasileiros também sofreram com o pouco tempo que tiveram para, possivelmente pela primeira vez na história, colocar quatro mulatas para dançar seminuas em um palco onde se reúnem membros do governo chinês.

Visivelmente frustrados, os membros da Vila Isabel tocaram "Kizomba" e "Aquarela Brasileira" em cinco minutos, após esperarem 1h20 ao som dos artistas de Argentina, Cuba, Colômbia, Peru e Bahamas.

Para o sonolento público chinês presente, não fez diferença quando os brasileiros entraram no palco para sua breve performance. Houve quem saísse do salão e quem se espantasse com os trajes sumários das mulatas.

Ao lado da reportagem da Reuters, uma moça colocou as duas mãos sobre a boca, em sinal de incredulidade. Um senhor preferiu ir embora e voltar apenas quando começou a apresentação dos mariachis mexicanos.

Muitos homens olharam sem demonstrar nenhum desejo, nem mesmo quando as moças desciam sensualmente até o chão. O Carnaval não é transmitido na China, por ser considerado lascivo demais. No final, aplausos não mais do que formais.

O ápice da programação oficial foi quando o grupo de mexicanos entoou a canção chinesa "Molihua". Aplausos quase delirantes.

Para os brasileiros, a recepção do público foi boa o suficiente.

"É um público que mal sabe o que fazemos e que, levando isso em conta, foi muito bacana com a gente. Mas espero que tocando nos bares a gente consiga chamar a atenção um pouco mais para o samba de verdade do Brasil", disse mestre Adilson, campeão do Carnaval do Rio de Janeiro de 2006.