domingo, 3 de agosto de 2008

Chinês não entende português. Ainda bem.

Minha readaptação ao Brasil será difícil. Estou na China há uma semana e já adquiri um vício: dizer em português as maior perversidades do mundo, certo de não ser compreendido. A sensação de liberdade é inigualável, mesmo em um país que não é lá muito conhecido por sua tolerância. Recomendo altamente.

Nada é tão salutar como soltar um delicioso "FDP" seguido de um sorriso singelo para xingar motorista de taxi que tenta sacanear ou que se recusa a fazer uma corrida por estarmos hospedados muito longe do centro --o que é corriqueiro.

Nós brasileiros adoramos comentar em voz alta sobre as roupas das pessoas, os cortes de cabelo, o cheiro ruim, a neurose com a segurança, a questão de Taubaté (região cheia de monges budistas), a poluição insuportável (que eles chamam de névoa) e o massacre da Praça da Paz Celestial ("o incidente de 89" para os chineses).

E absolutamente ninguém vem nos encher o saco. Para quem fala inglês ou francês, os cuidados bem são maiores, me garantiram alguns estrangeiros nada latino-americanos que vivem por estas bandas. Quem fala português pode ser subversivo à vontade.

O português é tão insignificante por estas bandas que na noite de domingo, em um bar da gringolândia local, a velha guarda da Vila Isabel, com cara de quem estava de sacanagem, entoou o samba enredo "Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós!", que deu à Imperatriz Leopoldinense o título do desfile das escolas de samba do Rio em 1989. Se alguém gritar liberdade em chinês, provavelmente aparecerão umas três viaturas da polícia oferecendo toda a segurança da delegacia e, quiçá, do xilindró.

Os brasileiros notaram a provocação, riram, eu cantei mais alto, e todos dançamos até cansar. Mas os chineses, talvez precavidos por não entenderem o que cantávamos, não se empolgaram muito com o samba estilo livre dos tupiniquins. Nem sequer atenderam a alguns pedidos meus, de "dança, vagabundo comunista". Nenhum deles entendia meia palavra de português. Nem de samba.

Falar meu idioma original com a certeza de não ser compreendido é um bálsamo em um país onde o Estado está em todo lugar --o FDP motorista de taxi, a menina canhão que vejo na rua ou a tiazinha simpática da casa de chá podem ser agentes de segurança do governo. Podem ser. Mas duvido que o concurso para o cargo de delator exija conhecimento de língua portuguesa.

Ainda bem.

6 comentários:

Ricardo Almeida disse...

Olá! Existe alguma forma que eu possa entrar em contato com vocês? Algum email?

Att

Anônimo disse...

Muito bom.
S.S

M.S. disse...

braziliant@hotmail.com

Anônimo disse...

Sensacional Mauriciao, boa sorte por ai! Abs Damico

Anônimo disse...

Só zoando os caras!

Matheus P. disse...

sensacional esse, cara. guarda isso. guarda para publicar tudo um dia. fora da internet, digo.
abraço!