segunda-feira, 31 de março de 2008

O tédio dos cartões corporativos


Não dá para não ter sono com o chamado escândalo dos cartões corporativos. Quando a oposição precisa citar gastos com tapiocas e carpetes como algumas de suas bandeiras para chutar um governo popular e que tem dez mil outros motivos para ser chutado com força, é sinal de que pior do que os áulicos só mesmo os seus rivais.

Fiquei com a impressão de que, talvez cansados de ouvir as piadas repetitivas de Mão Santa e saudosos dos bombons de cupuaçu antes trazidos por Ney Suassuna, os senadores resolveram dar uma agitada e criaram uma CPI logo no começo do ano. Assim eles iriam mostrar que não estão de vagabundagem.

Ouviram as dicas de uns figuras por aí, deram uma olhada num site do governo federal e zaz! Acharam dados para serem usados sem parcimônia e, melhor do que tudo, sem precisar mover uma palha para terem acesso à numeralha.

Além dos discursos éticos em profusão, do tipo que fariam o chatíssimo José Lins do Rego corar, veio a criação da CPI mais picareta dos últimos anos, que conseguiu a proeza de praticamente terminar os trabalhos quando ainda nem tinha sido instalada.

(Mais)Uma desmoralização para o Parlamento.

Mas, enfim, CPI é um instrumento das minorias, já sentenciou a Suprema Corte. Não importa se a comissão será um desperdício de tempo, de energia e de massa cinzenta em um ano encurtado pelas eleições municipais. O importante é participar.

O pior de toda a pretensa polêmica, que dia-a-dia invade a mídia com dezenas de reportagens sobre o quase-nada-absoluto, sem causar grande comoção, é ver que os figurões de um lado e de outro concordam em quase tudo.

Cartão corporativo é uma boa, mas tem de fiscalizar. E tem gente que sacaneia. E tem de investigar os casos de corrupção já detectados ou os suspeitos.

Ah, vão se lavar.

A obviedade é tamanha que é digna do Djavan, ainda incapaz de ler japonês em braile.

Tem dengue matando de montão, crise econômica rondando os emergentes, assassinatos às dezenas nos grotões amazônicos do Brasil, falta de infra-estrutura para aguentar o tranco da globalização e os rapazolas vêm me falar de cartão corporativo?

Dá um tempo.

Ainda tentaram reesquentar o caso com as groselhas sobre um suposto dossiê do governo contra os adversários, que usavam os tais cartões quando estiveram no Palácio do Planalto. Mas o tédio, felizmente, prosseguiu.

Me pergunto se alguém falaria de cartão corporativo se este não fosse um ano de eleições municipais. Afinal das contas, na eleição presidencial de 2006 apareceu o tal do escândalo do tal dossiê anti-tucano e assim que a última urna foi fechada esse assunto simplesmente desapareceu da mídia e das tribunas do Congresso.

Naquela ocasião, até fazia sentido, politicamente, surgir o tal dossiê anti-tucano. Isso pesou no adiamento da definição da eleição presidencial para o 2o turno.

Mas o que produzirá esse pretenso escândalo dos cartões corporativos?

Se bobear, a única mudança que vai rolar depois de mais umas semanas de tediosa gritaria será um belo desconto na anuidade dos cartões dos congressistas. Assim eles vão poder economizar um pouco e distribuir ranhetice em outras bandas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sinceramente, não acho que seja o "quase-nada-absoluto" a elaboração de um dossiê contra o governo anterior utilizado para intimidar a oposição na investigação sobre os gastos do atual governo. É algo sério, grave, gravíssimo, a meu ver.

Mas concordo contigo quando diz que provavelmente o tema vai sumir do noticiário em breve - como aconteceu com o dossiê de 2006.

Afinal, é difícil mesmo ser minoria no Congresso... O rolo compressor do governo Lula estará sempre lá, firme e forte para abafar os escândalos, como esteve firme durante oito anos o rolo compressor de FHC. Até nisso eles são idênticos.

Mas eu não esqueço: nem do dossiê de 2006 nem do dossiê atual. Ou, vá lá, do "armanezamento de dados", como diz a "mãe do PAC".

Tedioso, pode até ser, mas profundamente nojento.