Dois de abril não é o Dia da Mentira. Ficou na minha cabeça porque tive um daqueles momentos de epifania com a cidade de São Paulo.
Era pouco depois das 10 da manhã, uma segunda-feira na capital paulista. Ponto de ônibus da estação Santa Cruz do metrô.
Uma mocinha pouco atraente e bastante magra comia Doritos ao lado de um monte de gente que esperava veículos com nomes pouco promissores -- Grajaú, Terminal Capelinha, J.M Sampaio.
Eu era um desses que aguardava.
Na frente dela, abriu-se a porta do lotado coletivo rumo à Divisa de Diadema. Nenhum passageiro tinha feito sinal.
O motorista -- bochechas à la Heráclito Fortes e pança à lá Tim Maia -- disse à garota que não tomou café da manhã. Juntou as mãos e pediu comida.
Algo espantada, a menina sobiu os degraus do ônibus, derramou um tanto do melequento salgadinho nas mãos do glutão faminto e desceu. O farol estava aberto, os carros buzinavam atrás, mas ele não poderia ter se importado menos.
Com as mãos ainda unidas, a camisa um pouco levantada e mostrando a barriga, ele devorou o salgadinho como se estivesse bebendo água. Desesperadamente.
Um tanto ainda ficou colado na bochecha dele. Ninguém deve ter ousado alertá-lo. Sinal vermelho. As pessoas do ponto se entreolham. Umas criticam o motorista, que fecha a porta.
Outros riem disfarçadamente.
Só caem na gargalhada um minuto depois, quando ele finalmente prossegue a sua viagem. Ainda com fome, provavelmente.
Mas trabalhando. Afinal de contas, São Paulo não perdoa.
Mudamos (01/16)
Há 8 anos
2 comentários:
fiquei com fome...
Charge do Nani (acho) no JB há uns anos atrás: um motorista xexelento como esse que você falou, com berebas na cara. Ao lado dele, um cara tão xexelento quanto, com a camisa aberta no peito e rodelas de suor no suvaco. Acima dos dois, uma plaqueta com a inscrição "fale com o motorista somente o necessário". E o cara ao lado dele, o das rodelas no suvaco, diz: "Te amo".
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