Uma vez ouvi que motoboy acha porque acha que buzina serve como freio. E que diante disso muita gente recomenda que se aparecer um deles tascando um sonoro fooooooommm atrás do seu carro, é melhor sair da frente. Senão, a maior probabilidade é de apanhar de todos os motoqueiros que passrem em um raio de 10 quilômetros.
Não importa quem está certo. Quem está certo é o motoboy.
É assim que é.
Foi ao pensar nessa regra de conduta dos motoqueiros que vi o paralelo entre eles e a imprensa brasileira dos últimos tempos. Afinal de contas, ela também toca a buzina como se fosse freio, como se o barulho fosse sempre a nona de Beethoven. E se é manchete, só pode ser Beethoven.
Nem que o compasso seja do Roupa Nova.
A diferença é que para a imprensa a buzina-freio tem dado cada vez menos certo. Cada vez mais se demonstra que esse modelo de jornalismo está fadado ao fracasso, tamanho o desinteresse da população pelas pautas cavadas e orientadas pelo gosto dos donos de jornais, revistas, rádios e TVs.
Vejo dois grandes exemplos disso.
Em 2006 veio a gritaria do dossiê anti-tucano, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial. Uma história que merecia um belo acompanhamento. Por isso, durante a campanha, dezenas de matérias saíram. Sem parar. Até que perderam a mão.
A falta de freio e o excesso de buzina divulgaram muita besteira. A disputa pela buzina mais alta contaminou a sociedade, que se desinteressou pelo assunto. As pesquisas de opinião pública da época comprovaram o desdém. E o resultado, para os motoboys da imprensa: o povo vota como vota porque é burro e não nos entende.
Foram páginas e mais páginas de editoriais lamentosos, para louvar o trabalho da imprensa na arte de tocar a buzina sem parar, ainda que isso não encontrasse respaldo considerável na sociedade.
Um tédio.
A culpa coube ao mordomo, ou seja, o resto do Brasil, que não deu muito crédito aos motoqueiros da gritaria que tentavam abrir caminho para chegar mais cedo sabe-se lá onde.
O freio inevitável foi a reeleição folgada do presidente Lula. Enquanto a imprensa gritava "dossiê" ao lado da oposição, o governo gritou "privatização não" --algo que estava longe de ser uma questão na disputa presidencial. Ganhou quem sabia com quem estava falando. O candidato da oposição terminou o segundo turno com menos votos do que teve no primeiro.
Geral não deu a mínima para o tal dossiê anti-tucano. O mesmo que, diga-se de passagem, desapareceu logo após a eleição.
Agora estamos surfando a nova onda.
O mega-escândalo do suposto dossiê produzido na Casa Civil, com dados tão sigilosos que estão sendo compilados a pedido do líder da oposição no Senado desde 2004. E que, sabe-se lá como, vazaram.
Em vez de tratar o assunto como a briga de gangue que é, a imprensa novamente aderiu ao buzinaço, em detrimento da epidemia de dengue do Rio de Janeiro (há tempos no Nordeste e que já está chegando a São Paulo), dos gargalos da infra-estrutura cada vez mais gritantes para um país que quer crescer mais ou, para ficar em um tema digno de abraçadores de árvores, do contínuo desmatamento da Amazônia, com a consequente grilagem por hordas de madeireiros e outros menos cotados.
Depois de semanas de porrada, sem freios, surgiu a primeira baixa.
Caiu o ombudsman da Folha de S.Paulo, reclamando da decisão do jornal de impedir a divulgação de boletins internos na Internet. Os mesmos em que, inclusive, descia o pau nas matérias buzinatórias das últimas semanas sobre o suposto dossiê. Nem a ministra Dilma Rousseff nem qualquer assessor dela correu verdadeiro risco de cair.
Mas a buzina continua. E ninguém está nem aí.
Exceto pela imprensa, pelos papagaios que gostam de repetir o que lêem e pela classe política, que ganha destaque no noticiário (traduzido em propaganda gratuita em um ano eleitoral) por conta de um dos proto-escândalos mais sonolentos da República Nova.
Nem acho que seja necessariamente uma questão de tendencionismo, embora possa ser em alguns casos mais gritantes. Mas a impressão mais firme que tenho é de que a imprensa brasileira ainda não sabe como cobrir um governo popular que tem como aliado uma economia em nítido crescimento.
Entre investir nos repórteres e torná-los mais capazes de perceber os desafios do país ou publicar as versões da oposição, a escolha tem sido a segunda. A mais barata e, sobretudo, a mais fácil.
Se vivemos em um país que está claramente se transformando, não por milagre de um governo, mas sim por todo um processo histórico, a imprensa brasileira vai ter de se atualizar. A fórmula do motoboy de acelerar e buzinar não cola em uma sociedade que cada vez mais exige motivos claros para dar crédito ao que lê e ao que ouve falar.
Se a imprensa não se atualizar, além de a sociedade não abrir espaço para o buzinaço, vai jogar o carro em cima. E assim como nas ruas, quem está protegido por mais ferro vence.
Mudamos (01/16)
Há 8 anos
3 comentários:
Pelos comentários que deixei em seus últimos posts sobre o assunto, já está claro que respeitosamente temos visões muito diferentes. Aliás, acho que chamar o dossiê de "suposto dossiê" é quase como chamar caixa 2 de "dinheiro não-contabilizado" ou dizer que o mensalão não existiu. Mas tudo bem.
O que queria registrar é a piada do "privatização não!" gritado pelo então candidato Lula na campanha de 2006. Me poupe, né?
Meses depois, privatizou! E se igualou definitivamente aos tucanos - era talvez a única grande diferença entre os governos de PT e PSDB. É muita cara-de-pau.
Acho que é mais saudável ter uma imprensa que às vezes "buzina" demais do que uma imprensa que recebe dinheiro público para defender o governo. E é uma pena que sejam tantos os exemplos atuais do segundo caso, né?
Esse papo de "mídia golpista" é das coisas mais chatas do Universo. Um tédio.
Respeitosamente discordamos. Eu trabalho numa agência de notícias que não tem motivo nenhum para puxar sardinha pra governo nem oposição. E lá, veja que curioso, a terminologia das matérias em inglês, espanhol e português também é "suposto dossiê". Durante o mensalão, o termo foi "esquema de compra de apoio político". Casos bem diferentes.
Isso só demonstra que as denúncias feitas pela Folha podem ser pertinentes, mas não devem obrigar ninguém a comprar nem os termos nem a gritaria que o jornal usa para promover seu trabalho. O que é legítimo, diga-se de passagem.
O problema da mídia brasileira não é ser golpista. É não saber ler. Ainda tem jornalista que sonha com a profissão para derrubar ministro. E o papel do jornalismo não é esse. É obter a versão mais factível da verdade.
E até chegarmos aí, como se nota, estamos muito longe. E seguimos perdendo tempo com as brigas de gangue. Eu acho isso uma pena. E acho que precisa melhorar muito.
Obrigado pela leitura, abraço procê!
Em tempo: concordo plenamente com o seu comentário sobre a Manuela no meu blog. Hehehehe!
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